Memórias da Fada Madrinha

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Enfim chegara o grande dia no reino. O dia do baile encantado. No lugar da Cinderela, a fera trajada de príncipe. A noite é de risos e de festas, de danças e de alegria. Mas a fada madrinha, a fada Morgana está só.
Sentada em seu canto escuro, distante dos holofotes brilhantes, ela se entrega a uma viagem introspectiva profunda. Sinal dos tempos. A menina que não coseguia se ver no espelho como adulto, agora se enxergava senil...
Não se sentia triste, ao contrário, estava muito feliz por ele. Sentia que enfim sua missão acabava. A lagarta, após longo período de pupa, enfimdeixava o casulo, estirava as belas asas, projetava-se para a luz, preparando-se para voar como é a lei natural da vida.
Outras borboletas, igualmente belas e jovens, igualmente idealistas e promissoras já se agitavam graciosas em torno dele.
Era o princípio do fim. Ela sabia que por mais que a borboleta, feliz, lhe adorasse pela mágia da transformação, era chegado o momento natural da partida.
É difícil para a maioria das pessoas, olhar para uma lagarta que rasteja lentamente sobre o solo, vivendo sua vida, sonhando apenas com o que seus olhos rasteiros podem contemplar, e perceber a borboleta a que esta lagarta está destinada a ser. Muitas pessoas esquecem que aquele ser aparentemente limitado e inútil, que serve apenas para comer, capaz de executar apenas movimentos limitados em seu lento rastejar, dona de uma imagem pouco convidativa, se tornará dentro em pouco uma linda borboleta, capaz de vôos indescritíveis e de sentir o perfume das mais belas flores. Capaz de criar o milagre da vida através da polinização.
Mas, assim é na natureza. Tudo caminha para a evolução. A fada madrinha sabe no íntimo de toda essa verdade. Soube desde o início, qual seria o final da história, mas não pode conter a lágrima que escorreu do canto de seu olho. Ela amava a borboleta de maneira muito especial, e nutria por ele um carinho zeloso de mãe que espera o melhor para seu filho. Era como se as asas que começavam a se agitar no ar, encantado com o balé das outras borboletas, levasse delaum pedacinho querido de sí mesma. De sua própria história. Por isso derramou aquela lágrima. Mas precisava ser somente aquela, seu pranto não poderia adiar a ascensão da borboleta para a luz. Não era tristeza que expressavam suas lágrimas. era uma saudade só. Um misto de alívio pela missão alí findada e dor pela previsão do fim inevitável e necessário. Um misto de ternura e solidão. De fé no futuro da borboleta e incerteza por seu próprio caminhar dalí em diante.
A vida é inexorável em seu ritmo, o tempo é imperioso em seu eterno pulsar, e da mesma maneira que toda borboleta foi criada para voar livre pelos campos em meio a seus iguais, reproduzir, viver sua vida, e queira Deus já bem velhinha tranquilamente descansar, e estava, desde sempre, destinada a partir; à fada madrinha, restava a abóbora, e os ratinhos à meia noite, quando quebrado o encanto, tudo voltava a ser o que realmente era. A ela estava destinada a missão de criar a magia, de levar o encantamento para outros, a vida tem que continuar.
As cortinas se fecham e a varinha se acende. É hora de esquecer a Fera que virou Principe encantado e está destinado a encontrar a sua Bela, e buscar outras gatas borralheiras, patinhos feios, sapos, ogros, pinóquios cigarras ou lagartasque necessitem que um pouco de magia em suas vidas...
"...que não se faça a minha vontade, mas a tua!"(Lucas 22,42).
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