De outro prisma

Hoje,aconteceu um fato trágico. Uma perda inesperada. O irmão de uma amiga foi assassinado. Toda aquela tristeza típica da perda. E uma tristeza adicional por ter sido de repente e de forma violenta. Nunca estamos preparados para perder alguém, mas perder de repente, é ainda mais aterrador. É como se do nada, faltasse-nos o chão.   Em meio a toda aquela tristeza, tive a oportunidade de ver a beleza escondida na perda, como flor perfumada que nasce do lodo.
Acompanhamos, nossa amiga até a sua residência, na zona rural. E lá chegando, notávamos o pesar comum a quase todos os presentes. Adultos e jovens se abraçavam, consolavam-se mutuamente. Tudo estava quieto, tudo estava triste, tudo estava enlutado, silencioso, mórbido. Exceto duas crianças, de uns dois anos e meio, que brincavam alheios à dor daquela perda. Eram os únicos que não pareciam ter morrido um pouco com aquela notícia.
Criança é um bichinho diferente. Vê a vida de outro prisma. Mas os adultos esqueceram que foram criança um dia,e por vezes não as compreendem. Lembro de uma outra ocasião, em que uma mãe que acabara de perder a própria mãe, no auge do desespero, reclamava de seu filho que permanecia com aparente apatia frente à notícia que abalara os demais. Ele não tem sentimento! Dizia. O menino, de seus 6 anos, exclamou. Eu tenho sentimentos sim, só que não tenho que sentir a mesma coisa que você, minha mãe! Eu não sinto desespero! Só sinto um pouco de saudade, porque ela partiu hoje! É que morte pra criança não tem a dimensão de ponto final que tem pra a gente adulta. Morte para criança é só uma vírgula. Um ponto de continuação, se muito.
Voltando à cena da casa de campo, a família reunida na varanda, nos apressávamos aferindo uma pressão aqui, outra ali. Tentando de alguma forma ser solidário e minimizar a dor. Foi quando uma jovem, que chorava muito, sentou-se no chão da varanda, ficando da altura de seu filho pequeno. Uma das duas crianças que corria pelo terreiro. Ele se achegou perto dela, olhou seu rosto congestionado, tomo-o nas mãos perguntando: -Mãe, por que seu olho está derramando água, mãe? Por que está caindo? Seu olho está vazando água, mãe! E enxugava insistentemente os olhos da mãe, que sentida, não encontrava forças para responder-lhe. Finalmente, entre soluços, ela disse: - Estou chorando, filho! Deixa a mamãe! Resignado, levantou-se e foi ter com a prima pouco mais nova, e disse-lhe meio sem reservas: A mamãe está com o rosto molhado, acho que está chorando, só porque meu tio morreu. Mas ele só morreu!
Crianças tem uma dimensão poética da vida. Vieram há pouco tempo dos braços de Deus. Sabem por memória recente que para lá um dia voltarão. Ao contrário de nós que passamos muito tempo nesse planetinha e vamos criando raízes, as crianças acreditam em vida após a vida. Ainda não esqueceram. Do mesmo jeito que acreditavam em vida após o parto, quando estavam dentro do útero materno. As crianças simplesmente acreditam...

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