Os desafios de pertencer

"O medo é o mais tradicional espantalho que sempre usamos quando continuamos a fazer como sempre fizemos. Na meia-luz dos nossos automatismos. Na meia-lucidez do nosso sonambulismo crônico. É esse medo de ser, de se sentir ou de ser diferente de todos e de si mesmo a primeira das resistências psicológicas." José Ângelo Gaiarsa
Um dia, uma conhecida, sabendo que eu formara em Psicanálise, me convidou para uma entrevista para o trabalho de conclusão do seu curso de Jornalismo. O tema era: O que leva o ser humano a fazer sacrifícios para estar na moda.
Resposta complexa para uma pergunta intrigante. Primeiro, porque a minha escolha por psicanálise foi muito mais pessoal, que profissional. Curiosa que sou dos mandos e desmandos da mente, encontrei no método, uma chave para o autoconhecimento, e embora tivesse feito clínica, enquanto o tempo permitiu, meus estudos se voltavam muito mais às minhas próprias neuroses. Segundo, porque, ao contrario do que as pessoas normalmente imaginam, psicanálise difere completamente de psicologia. E o estudo do comportamento humano é do campo da psicologia, e não da psicanálise. Psicanálise é uma técnica muito  pessoal e releva muito mais a aliança terapêutica entre analista e paciente, que um padrão de comportamento geral. Mas diante da falta de outro profissional conhecido, e da iminência da apresentações do trabalho, me dispus a ajudar. Não sem antes ressaltar que não era o profissional indicado para tal demanda.
À luz da psicanálise, como à luz de qualquer outra técnica ou ciência humana, o ser humano é, essencialmente um ser social. E sociável. Que necessita do outro como parâmetro e referência comportamental. Isso a princípio, já seria um ponto de partida para se tentar compreender o desejo de estar na moda. Provavelmente a necessidade de aceitação, de sentir-se pertencendo a um grupo que gere essa necessidade de repetir o que a maioria faz. Isso, pode ser tão forte em algumas pessoas que chega a se sobrepor ao próprio senso estético, prejudicando-o, a despeito das características individuais, em nome da generalização. Para corpos individualizados, com padrões diferentes, não há com aplicar-se uma regra geral, sem que haja alguma discrepância. Então em tese, nem todos podem estar na moda.
Quando essa padronização é meramente estética ou de estilo, o prejuízo pode ser apenas visual. A estética passa, muda, transforma-se, resgata tendências, mas o caráter fica. Quando a padronização é comportamental, corremos o risco de criar verdadeiros autômatos, ou deprimidos párias sociais. Pessoas que se esforçam para pertencer a grupos que contrariam suas mais intimas inclinações e aptidões pessoais. A primeira regra a ser respeitada em termos de moda é que cada ser humano é único, e tem suas aptidões e defeitos. Valorizar o que tem de positivo e disfarçar os defeitos, é que deveria estar na moda, muito mais que cores, ou comportamentos.
Não há como se pertencer a um grupo do qual não se compartilha as características básicas. Evitemos comparações. Ao contrário das roupas, não há como medir pessoas por tamanhos, apensa pelas atitudes. Ainda assim, devemos respeitar a diversidade de ideias. Nem melhores, nem piores, apenas diferentes. É necessário usar do bom senso para adequar-se às demandas sem excessos ou autoflagelo; e do autoconhecimento para discernir um do outro.
Por Cris Vaccarezza

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