Quarentar

Bom dia, Loba! Foi seu primeiro pensamento naquele dia. Levou quarenta longos anos, mas a idade emblemática chegara afinal.
Talvez os primeiros indícios, precoces, fossem um discreto pratear de cabelos na fronte, aqui e ali. Que se tornaram mais e mais intensos. Essa ou aquela marca de expressão, quando um sorriso maior se desenhava. Que com o tempo, foram se tornando mais intensos. Uma leve dificuldade para enxergar detalhes, pequenas letrinhas num papel. Que aos poucos, foi se tornando mais intensa. E agora, enfim, por conta de tanta intensidade somada, se tornava, naquela manhã, a famosa e intensa "loba".
Segundo um relato ouvido recentemente, "a loba é uma mulher dita de mistérios fascinantes. Um tipo de mulher madura, de sabor intenso, de alma pacifica e abrandada pelo tempo, de carne tenra, de toque suave. Um tipo de mulher miticamente, fatal."
Fatal mesmo, para ela naquele momento, era o tempo, que como as águas do mar, ao mesmo tempo traz novos sedimentos, novas conchas e grãos de areia, também remove sedimentos, cascalho, dando nova forma à praia. Renovando, renovando sempre. Inevitável. Tão inevitável quanto respirar. Embora não remoçasse, ao contrario, senilescesse. Era assim, renovada que se sentia. Como se sentira aos dez, aos vinte, aos trinta. Um novo período que se iniciava, como um novo capitulo de um livro, que traria novos detalhes desconhecidos à velha história. Virava mais uma página.
Ainda ontem, os últimos minutos dos trinta e nove. Despediram-se. Encerrava um cilclo balzaquiano. Agora, tinha quarenta. Quatro décadas e nenhuma vergonha de dizer.
Naquela manha, a loba nascera. Frágil e receosa ainda. Insegura como tudo o que nasce, se inaugura, estréia. Mas sabia que aos poucos, com o virar das páginas, a experiência necessária chegaria a bom tempo. Daqui a mais algum tempo, talvez estivesse mais segura, altiva, ainda mais prateada , andando tranquilamente pela floresta do tempo.
Seus sonhos, ainda eram os mesmos, conduzir a matilha a um descanso tranquilo ao final do dia. Zelar, cuidar. Aprender, amar. Quem sabe encontrar algum lobo solitário disposto a unir as matilhas, a também cuidar e ser cuidado.
Mas queria, queria sim caminhar. Por este caminho novo que Deus desenha à sua frente. Queria provar dessa fruta madura com a curiosidade de quem tem dez, somada à ansiedade de quem tem vinte, a calma de quem tem trinta e a maturidade de quem, agora, tinha quarenta anos.
Que venham os novos desafios! Que não falte o trabalho, que enobrece a alma. Que não falte a perseverança para levantar todos os dias. A loba já acordou! Mas que venham também as novas alegrias, pois a loba tem fome de novidades e está pronta para viver.
Queria que aquele dia amanhecesse nos braços de um grande amor, em uma praia paradisíaca dessas por aí, e só depois de muito beijo, a loba fosse liberada para matilhar. Mas a vida é um desacerto harmônico, e afinal despertara. Era hora de recomeçar !
Por Cris Vaccarezza

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