Última chamda para o vôo 6141

No saguão do aeroporto procurava desesperadamente uma tomada para carregar o iPhone. Não queria perder o contato com a casa, a família, os amigos que por breve período deixava para trás. Se sentia menos solitária assim, conectada. Era urgente que achasse uma tomada.
Em um canto, lá estava ela, e melhor, desocupada. Havia uma cadeira vazia não tão distante dela. Perfeito! Isso lhe daria meia hora de carga, até o embarque. Depois de deixá-lo no carregador, sentou e percebeu os olhos vagos,  as mãos nuas sem a tela fria do celular para se ocupar.  Meu tocador de musica, meu leitor de livro eletrônico, meu visualizador de fotos, meu controle financeiro, minhas redes sociais, tudo estava preso a uma tomada a alguns metros dali, fora do meu alcance.... Vou ter que achar outra ocupação.
Olhou em volta. Muita gente imersa em seus mundos digitais, muita gente que ia e vinha. Do outro lado, no entanto, uma coisa chamou a atenção. Um homem moreno, quarenta e poucos anos, porte de executivo, elegante, tinha o olhar fixo em sua direção. Instintivamente invadida, baixou os olhos. A seguir lentamente virou-se e conferiu em volta. Negativo, atras de si, só uma parede branca. Nem um quadro. Nada que pudesse estar mantendo fixa a atenção do rapaz. Queria resistir, mas discretamente olhou novamente e seus olhos encontraram em cheio com o dele que não se desviaram. Pensou alto, mas tão alto que quase pode ouvir seu sonoro: Oxi! Não pode deixar de lembrar a canção de Vanessa de Mata: "Um homem bonito assim, o que quer de mim, o que ele fará comigo?" ruborizou. Maldito iPhone! Tinha que ter descarregado?
Sem se conter novamente, seus olhos foram, sem escalas, pousar no rapaz que ainda olhava, e dessa vez, sorriu o sorriso mais lindo que ela já tinha visto. Fato! Meu mundo caiu! Abriu a bolsa procurando alguma coisa para manter ocupados os olhos que ela não conseguia controlar de tão curiosos: "Olhos flechando meus zelos,bem que o meu corpo já me mostrava. Tentação das mais safadas, sem dor sem penar". Olhou nervosamente o relógio. Ainda faltavam vinte minutos para o embarque. Encontrou na bolsa uma bula de um remédio para dor. Era o que ela precisava! Inclusive para prevenir futuras dores na alma causadas por aquele tsunami emocional sentado ali mais à frente. Mais, algo para cativar os olhos, enquanto o tempo se arrastava.
Finalmente anunciaram o embarque. Correu, acondicionou o telefone no bolso e dirigiu-se para a fila que já ia meio longa. Não pode deixar de dar uma ultima olhadinha para onde o Deus grego se sentara, mas ufa! Ele não estava mais lá. Uma pontinha de arrependimento nesse alívio todo. Sempre tem, né? Afinal, e se fosse ele, o cara?
Entrou na aeronave, desviando de pessoas que já haviam embarcado. Poltrona 6A, janela, onde está? Ali! Mas já havia alguém sentado na 6B e se nao fosse o susto, teria desatado a rir ali mesmo! Quem poderia estar atrapalhando o trafego para a sua poltrona se não o bonitão do saguão, a personificação do homem da beleza madura? Longo suspiro e um quase sussurrado 6a, estendendo para ele, o bilhete que comprovava o seu infortúnio. Ele riu olhando-a nos olhos como se pretendesse invadir a alma. Levantou o seu próprio bilhete e disse rindo: 6b...Ela riu. Que jeito? Mas sentindo que pessoas queriam passar, e tomar seus acentos, ele tirou os olhos dos dela, instantaneamente e se levantou para lhe oferecer a passagem. Mais que isso, no trajeto se ofereceu para segurar a pesada mochila que ela levava, até que se sentasse. Findo o processo, sentou ao seu lado.
A longa espera pela decolagem se tornou ainda maior devido à tensão. Ela não movia um músculo além dos necessários para a respiração e o piscar dos olhos. E foi assim, quase sem piscar os olhos, que assistiu a todas as explicações de segurança do voo. Nunca prestou tanta atenção. Buscou na mochila o iphone, pretendia ler um livro, mas pra seu azar, os celulares deveriam permanecer desligados, mesmo os que dispunham de modo voo. Inconformada desligou o aparelho e permaneceu com ele entre as mãos até para evitar maiores movimentos.
Finalmente o avião decolou e a tensão foi evaporando aos poucos. Notava que talvez em solidariedade ao seu estado de espirito, ele nem lhe dirigisse o olhar. Sentiu-se grata e aliviada por breves vinte minutos até que uma voz grave rompeu o silencio: "o avião tem entrada para carregador de celular..." achou que não era com ela, mas ele indicava a entrada USB à sua frente, localizada bem ao lado da pequena tela nas costas da poltrona à sua frente. "Ô Deus, é comigo!" pensou. Ainda meio confusa com a informação, perguntou mais uma vez, enquanto ganhava certo tempo para lidar com o proprio nervosismo: Como? - O avião, tem entrada USB. Indicava ele. Você pode carregar seu iPhone aqui.
-Ah, obrigada. Respondeu num meio sorriso já desconcertada e voltou a atenção para buscar o cabo carregador na mochila e encerrar a conversa. Mas ele nao se deu por vencido: "-Olha, ela ri...Notei que você estava tensa no saguão, procurava uma tomada para não se desconectar." Ele percebeu, pensou. Ela apenas sorriu e balançou a cabeça afirmativamente, em resposta. -Prazer, meu nome é Marcus, sou advogado, disse, estendendo um cartão elegante de visitas e a mão para que apertasse. Notei que você estava sozinha. Viajar sozinha dá uma sensação de vazio, nao é?" Mas o que é agora? Pensou. Ele lê pensamentos? Deve ser uma mistura do mago Merlin com Lancelote. Eu mereço! Limitou-se a responder um "tem razão" entre dentes. Ficou calada por um segundo, mas antes que ele dissesse mais alguma coisa, resolveu tomar uma atitude, sair na frente: - Você é muito observador! -É que te observo desde a cafeteira, antes de você entrar no saguão. Estava sentado na mesa atrás da sua. Vi quando chegou, pediu um capuccino e um folhado de ricota, vi a forma polida como tratou o funcionário, vi quando a sua filha telefonou." Nesse momento ela ficou assustada com a riqueza de detalhes e com a invasão de sua privacidade. "Nao queria ser indelicado, mas você me chamou tanto a atenção que senti uma ponta de ciúme do felizardo que te ligava e fiquei aliviado quando ouvi você dizer Também te amo filha!". Agora sim, olhava para ele intrigada. A timidez dera espaco à indignação. - Deviam fazer mesas mais afastadas nessas cafeteiras, imagina se eu estivesse falando assuntos íntimos? -Nossa! Seu olho brilha quando você fica brava!
Desarmou todas as defesas. Isso é o que podia ser chamado de ter pegada mental. Ele nem a tinha tocado e já conseguira sua atenção. Ela sabia perfeitamente disso, mas, hipnotizada, nao conseguia, nem sabia mais se queria resistir.
Envolta no papo dele nem viu as horas de voo passando. E se pegou pensando, cada vez mais envolvida: "será meu Deus?" Foi então que ela reparou que estava pouco atraente. O cabelo preso num coque, de óculos e sem um batom. Pediu licença, e foi à toalete para melhorar a imagem. Se olhou no espelho, soltou os cabelos, tirou o óculos, passou um pouco de gloss e voltou sentido-se melhor. Mas dessa vez não se sentou na poltrona da janela para evitar pedir passagem, ficou na cadeira livre, à direita dele, junto ao corredor do aviao. A mudança no visual teve efeito imediato. A visão dele se iluminou. E desse angulo em que agora se sentava, percebeu um brilho a mais além do brilho nos olhos dele. Notou um anel não identificado antes em sua mão esquerda. Apressou-se em pensar, deve ser anel de formatura. Ele é advogado. Advogados adoram anéis de formatura. E continuaram no papo animado de antes, ele vêz por outra estendia a mão e a tocava, no joelho, no braço, em alguns momentos, quando a conversa engrenava, e descobriam mais e mais coisas em comum, mais e mais coincidências, similaridades, e iam ficando mais embevecidos um com o outro, mais a mão se alongava no punho dela. Até que ele ficou mudo. Manteve os olhos nos dela, segurou sua mão e disse: -eu quero continuar te vendo. Tenha certeza de que nos veremos ainda muitas vezes. Venha para o meu aniversario. Semana que vem...
-Meu aniversario também é semana que vem! Terça. -Serio? O meu é sábado! Somos do mesmo signo! Eu senti uma coisa especial desde que vi você. Moramos em cidades diferentes, mas temos que nos ver. E olha, eu nao quero ficar, quero namorar. Quero que conheca meus filho, quero conhecer sua familia. Diga que também sentiu o mesmo.
Ela sentia sim. E estava admirada com o fato de aquele homem ter uma postura tão correta, respeitosa, sem insinuações secundarias. Teria encontrado mesmo o amor da sua vida?
-Você precisa conhecer a minha família! Quero que seja amiga do meu filho. E de Amanda! Você precisa conhecer Amanda! Ela é tão legal!
- Amanda é a sua ex mulher... Interrompeu ela.
-Nao, a atual.- Respondeu com tranqüilidade.
... ...
- Oi? ... Como assim? Você é casado?
-Sou! -E continuou olhando fundo em seus olhos, como se dissesse a coisa mais natural do mundo.
Sabe aquele nó que dá na garganta e te obriga a engolir seco? Foi assim. Tirou a mão da mão dele imediatamente e teria mudado de lugar se houvesse outra poltrona vazia além da sua própria, junto à janela.
-Você não me disse isso...
-Você sabe o que significa isso? E apontou para o anel em sua mão esquerda que parecera brilhar mais depois da volta ao banheiro. Sempre estivera ali? Fora guardada em algum bolso antes da ida ao banheiro? Nao tinha certeza. Só sabia que nao se tratava de um anel de formatura, mas de uma aliança.
-Eu vivo com Amanda há três anos. Ela é uma mulher muito especial. Uma parceira para todas as horas.
-Desculpa, eu me enganei, achei que era outra coisa, imaginei que fosse um anel de formatura, nunca uma... Desculpa!
-Você mudou comigo...
-Mas claro, você é casado. Eu pensei que procurava uma namorada...
-Mas eu procuro uma namorada. Amanda e eu não temos esse problema.
-Como assim? Vivem uma relação aberta?
-Nao, mas nao há traição. Um dia ela me perguntou por que as minhas amigas sumiram. Respondi que eu estava casado e elas se afastaram, pois queriam um namorado e nao um amante. E ela me falou. E por que você nao namora com elas? Eu queria que você namorasse com elas para eu assistir. E foi assim que comecei meu primeiro relacionamento que durou 6 meses. Sempre saímos os três, dançávamos, nos divertíamos, nunca houve traição. Mas ela conheceu um outro rapaz, terminamos e ela está noiva. Todos choramos quando o relacionamento acabou. Ha muito tempo nao aparecia ninguem, mas voce me chamou a atenção. Eu quero namorar você.
-Desculpa, nunca vivi uma situação assim. Eu quero um namorado de verdade, sabe? Para apresentar à minha mãe?
-Mas você vai me apresentar à sua mãe. Nessa ocasião, Amanda será apenas uma amiga nossa. E tem mais, eu uso aliança, quero compromisso. Ainda mais morando longe, você vai usar também.
Nao sabia se ria, ou se chorava. De tão inusitada a situação. Estava tão encantada... Ele nem sequer a beijara, e queria usar aliança?
O pouso foi anunciado. Ele continuava conversando e nao fosse por aquele detalhe, seria o dia mais feliz de sua existência recente. Mas o detalhe existia. E se chamava Amanda.
Desceu do avião. Ele a seguia. Pegou a bagagem, prometeu telefonar. Tomou um taxi na entrada do aeroporto, assim que fez a curva, procurou o cartão na bolsa, olhou uma ultima vez. E rasgou-o em pedacos pequenininhos atirando pela janela do taxi. A tentação era forte demais. Se guardasse o cartão, sabia que acabaria ligando.

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