Continuidades

Zero hora. Se via diante da página em branco e do cursor que piscava, compelida a escrever. O que, meu Deus? Pensava ler alguma coisa, mas seu coração ansiava em falar. Só que, qual criança birrenta, que a gente pára pra dar atenção, amuava, emudecia. Se recusava a falar.
E a página, diante de si, permanecia em branco. Mais que solidão, sentia-se inquieta. A expectativa era enorme. Sabe aquela coisa do dia seguinte? Iria haver dia seguinte? A dúvida tomava proporções inesperadas. Ridículo! Parecia adolescente. Depois do prazer do beijo, o desprazer do desconhecer? É sim, é não? Não. Por enquanto era apenas talvez. Odiava "Talvez". Odiava pausas. Por isso evitava sair na chuva. Mas se saísse e a chuva a pegasse no caminho? Nem pensar em correr para a marquise mais próxima. Uma vez na chuva, vamos lavar a alma!
Mas não! A moda social é ficar. Ficar na dúvida. Continuadamente. Preferem ficar no morninho a esquentar ou gelar de vez. Meneou a cabeça pensando: Essa coisa de continuidade está se tornando uma mazela na sociedade moderna, cada vez mais carente de histórias que se continue. Cada vez mais carente de romances, e mais repleta de contos tórridos de noites de amor isoladas. Amores cada vez mais puntiformes. Vidas descontínuas. Relações individuais. Desiguais.
E então, onde estão as pontes que estávamos supostos de erguer? Não fazia ideia... O fato é que tencionava ler, mas sua alma pedia que escrevesse. que escrevesse para si mesma. Um aviso para que não voltasse a seguir por aquele caminho. Que mudasse de rota, ou chegaria ao mesmo lugar onde aportara tantas vezes antes. Um vazio imenso. Estava andando em círculos!
Imaginou que chorasse. Mas se deu conta de que, além de não ser capaz de escrever, nem chorar, chorava mais! Buscou um livrinho amarelado, no canto da mesinha de cabeceira. Poesia em prosa. A poesia de sua vida escrita por outra pessoa. E leu. Por fim, falou entredentes para quem quisesse ouvir:
Não sou mais tão emotiva. Lendo trechos de Caio. Refletindo. E isso basta. Chorar é pros fracos! Vc bem sabe que eu tento de novo. Reacendo as feridas. Reabro velhos cortes. Até que de repente eles calejem. E deixem de incomodar. Band-aids nunca resolveram meu problema. Sou daquelas que deixam sangrar. Até sarar. Mas aqui, nesse momento, deixo a história ao seu autor. Era apenas um trecho de Caio Fernando Abreu.
Deixa quieto. Eram só palavras que jamais iriam povoar aquela página em branco.
Por Cris Vaccarezza

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