Instrumento

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Então ele chega em casa, acende a luz do quarto, dissipando a penumbra do ambiente. Quebrando o silencio. Caminha resoluto em minha direção. Permaneci inerte, onde estava, antes no escuro. Num mutismo interminável.
Ele poderia ter ido fazer qualquer coisa, tomar uma ducha, beber uma água... Mas sua paixão, ah sua paixão o impelira para aquele canto do quarto. Chegou junto, puxou pelo braço, numa firmeza delicada de quem diz: Vem pra mim, que eu te quero!
Ainda firme, colou seu peito quente, em minhas costas frias. Manteve meu corpo curvilíneo acomodado em seu colo. Parecia ansiar pelo toque. Mas antes, sentia o cheiro, o aroma amadeirado. Aguçou seus sentidos. Ele me ouvia. Queria ouvir, mas eu permanecia no mutismo de antes.
Finalmente seus dedos deslizaram decididos pelo braço em direção ao corpo, desceu pela parede inerte e concentrou-se no centro, lentamente, seguramente, como quem sabe exatamente o que faz e o que quer, começou seu dedilhar.
Dedo por dedo, corda por corda, o toque era preciso e no ritmo exato. O som resultante era evidente. Impossível calar a voz de um instrumento afinado nas mãos de um musico experiente.
Agora não tinha jeito. Aquele dedilhar duraria a madrugada intera. Iria incomodar os vizinhos com nossa harmoniosa sinfonia. Se unindo ao meus gemidos sonoros, ele entoou com sua voz melodiosa: "Essa noite não tem luar"... Mas tinha!
Seriamos noite a dentro um perfeito casal, ele dedilhava meu corpo extraindo a melodia que amava. Seriamos então inseparáveis. Ele me dava alma, ânimo, me animava. Sen ele, eu era apenas um objeto mudo, trancado em um quarto escuro. Ali, em seus braços, seu tocar me dava sentido, me tornava especial. Não, não era mais um, era o seu, violão.
Por Cris Vaccarezza

Despenteia

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A lua saia agora toda nua por trás dos prédios. E a menina loba agora debruçada na sacada, olhava vida de camarote.
Percebia as coisas, agora com certo distanciamento. Contemplava sem tanta paixão. Brincava com o vento que despenteava seu cabelo. E ria, só ria! Ora, cabelos não foram mesmo feitos para despentear? Deixa que voem! Eles podem. Quem não pode é o seu coração.
Sabor doce, esse de fruta madura, sabor ideal, esse de lição compreendida. De tarefa encerrada. Dever cumprido. Madura é isso aí!
A lua estava plena agora lá no céu. Plena, como ela também se sentia. Madura. Capaz de ver, perceber, entender, avaliar. Falar? Aí depende de quem vai ouvir. Tem gente que não aceita ouvir, até que seja tarde demais. A esses, o tempo e o despentear. Faria a sua parte. Tentar, argumentar. Não ouviu? Deixa passar... Deixa o vento despentear. Tudo a seu tempo. E agora chegara a sua vez. Já remara demais. Hora de curtir a maresia no rosto, de se lambuzar na fruta adocicada, de se deixar levar.
Sabia, essa sensação não ia durar pra sempre. Nada dura! Novas demandas viriam. Mas naquele momento, dali, de camarote, tudo o que ela queria, era ver a lua navegar pelo céu, e saborear a fruta suculenta, enquanto o vento lhe bagunçava os cabelos, e ela, ria. Apenas ria...
Por Cris Vaccarezza

Ainda há gente estranha nesse mundo...

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O que é abraçar?

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Tinha medo!

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É uma amizade de tanto tempo, onde as coisas correram tanto que fugiram ao controle.
Éramos amigos há tanto tempo...Até que sacudindo um sonho de valsa, você me chamou pra dançar.
Ficamos sim, foi verdade. Ou breve romance, não mais. Vai ver que era a idade, diferença, discrepância até. Nunca levei a sério.
Mas esse seu moreno não sai da minha cabeça!
Eu queria voltar no tempo, ter coragem de dizer que não me importo mais com a idade. Nem se existem tantas que te querem, que acredito em você. Que eu fico contigo sim, até onde tiver que ir. Que me mudo, largo tudo, vou com você se preciso for.
Mas ja não me sinto digna depois de ter te feito acreditar que era passado, que era loucura, que eu não estava pronta. Que havia mais raízes fixas no chão, que folhas no alto, pra fazer respirar. Que não valia a pena.
Que eu tinha medo!
Por Cris Vaccarezza

Gula

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Infelizmente, na pressa de consumir, deglutir, possuir, usar, diversificar, as pessoas não se dão mais tempo de conhecer-se uma às outras interiormente. Contentam-se em consumir a "beleza" da casca, engolindo-a depressa, quase sem degustar. 
Nem sequer experimentam a polpa pra saber se a fruta é madura, verde ou de vêz. Devoram as cascas rapidamente, já de olho na próxima fruta do cesto. 
Embora desmedida, a gula, jamais saciarão sua fome existencial.
Por Cris Vaccarezza

O zouk da rosa flor

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Um dia uma mulher se levantou no salão repleto. E em meio à multidão que balbuciava conversas paralelas, pediu a palavra. Um dia uma rosa se elevou do matagal agitado, e se fez anunciar!
Um dia uma mulher se levantou e me ofereceu uma rosa. "Uma rosa cor de rosa, uma rosa pra você. Uma rosa, cor de rosa, pra você não me esquecer". Com as mãos, entrelaçadas, ela desenhava uma rosa e oferecia com tanta intensidade, que por instantes não houve no salão quem não materializasse a rosa, pálida e orvalhada em suas mãos. Por instantes não houve quem não sentisse o aroma delicado da rosa que ela oferecia. Era dia das mães, de um ano conturbado. Talvez aquele fosse o presente mais sincero que muitas daquelas mães viessem a receber naquele ano. E o perfume das rosas que distribuiu, que tão docemente ofertou e repartiu, permaneceu em suas mãos. Foi assim que a conheci de perto, ganhando mais que uma amiga, uma rosa. Amizade é sim presente caro. E muito raro nos dias de hoje.
Até então era apenas uma figura que deslizava pra lá e pra cá. E passava a imagem de força, personalidade. Até então, era alguém que passeava seus cachinhos cor de mel ao vento, alheia aos outros. Com sua postura esguia. Com seu ar imponente de quem sabe o que quer. Dali em diante, se tornara a mulher da rosa. Uma rosa, em figura de mulher. Repleta de cheiro, beleza, mas também, dona de alguns espinhos. Quem não os tem? Dali em diante, sua singeleza nos encantou. Conheci uma mulher de voz firme, que quando fala, faz calar. Mas é quando canta, que faz-se encantada.
Lembro que repassei a rosa adiante, não com o mesmo brilho, a mesma verdade, o mesmo tom de voz. Mas com a mesma vontade de fazer nascer um sorriso, num rosto sulcado pela dor. Ou uma flor de otimismo, num jardim de desamor.
Hoje sei que a graça não lhe adornou apenas a voz. Hoje, que tive a alegria de conhece-la de perto, sei que sua alma de poeta também se realiza na dança. E foi em Porto Seguro, ao som de um Zouk, que vi que era da alegria de menina que sua alma se enfeitava, era exatamente dali, que sua rosa brotava.
Hoje, sei que é gente, como eu, construída de sonhos. Cheia de altos e baixos, de duvidas escondidas sob o tapete; de alegrias e desafetos, de pressas e ilusões. É mais uma mulher, mais uma Maria, guerreira, graciosa, amiga, inteligente, lutadora, fiel. E dona, não só de uma rosa cor de rosa, mas de um jardim repleto de cor!
Por Cris Vaccarezza

Valores: Uma novela brasileira

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Há algum tempo citei em um post que eu queria ter um amor de novela, desses de fazer inveja e grudar no pensamento das pessoas. Um amor do tipo que a gente torce pra que o casal fique junto. Recentemente, recebi um comentário nesse post, que questionava o que seria um amor de novela.
Na hora, entendi o que o autor do comentário queria dizer, Já não se fazem mais novelas como antigamente. Antes, novela era um folhetim, um romance, um programinha leve, para alienados, como eu, tentarem relaxar da correria diária. Era um momento em que a família se reunia junta à mesa para assistir à TV e comentar a respeito do capítulo. Era uma história de mocinho e bandido, onde o bem sempre vencia no final. Onde o galã, conquistava a mocinha e viviam felizes para sempre. Era um faz de contas moderno. Historinha água com açúcar para aliviar as tensões após o noticiário, sempre tenso. Era.
Ao comentar um amor de novela, esqueci que os valores mudaram muito. Antiquada que sou, esqueci que já não se faze mais mocinhas, galãs e bandidos como antigamente. Hoje, a novela das oito (deixemos de lado as outras), mostra uma mocinha com valores distorcidos, que levanta a bandeira da vingança a todo preço. Mesmo a custa do seu pretenso amor de novela. Vemos uma novela onde o ódio supera o amor. É uma pena que o amor de Nina e Jorginho, que parecia ser infinitamente puro, pois começou na infância, não tenha sido forte para vencer o ódio. Quase permitindo que o público torcesse por Jorginho e Débora. Quando isso ocorre, acho que o autor se perdeu de alguma maneira, pois para mim, todo pano de fundo de uma novela, deve ser sempre um caso de amor, não de vingança ou ódio.
Novela onde a mocinha, por ser incapaz de perdoar, praticamente se iguala à vilã defende valores morais que não tem. Por outro lado, em determinados momentos, Carminha foi mais capaz de perdoar, que a própria Nina, poupando-lhe a vida, no último momento. Já Nina, se aproxima da vilania, quando usa de tortura contra Carminha, a troco de nada. Qual o objetivo da mocinha afinal? Se o objetivo torpe é fazer justiça com as próprias mãos, provando a traição da vilã; "limpar a honra" do pai morto, livrando o marido traído do julgo da vilã, não haveria a menor necessidade de tortura. Ela tem fotos, bastava entregá-las ao marido traído. Ou melhor, enviá-las, com uma carta sugerindo um simples teste de DNA. Os dois filhos são prova cabal da traição. Desnecessárias as cenas de domínio, de submissão. Não revelam nada além de vingança barata, equalização de caráter ruim, o ódio levado às ultimas consequências.
A menos que haja uma grande verdade escondida ou uma grande reviravolta em favor do bem, acho que em algum lugar, o autor se perdeu em sua argumentação. Não é assim que o bem suplanta o mal. Não é assim que se constrói um final feliz. Ninguém pode ser feliz finalmente a partir do ódio, ou da vingança contra alguém.
Outro bom exemplo de final que ninguém entendeu, foi o da última novela das oito, Fina Estampa. Um final sem sentido, onde a vilã some e reaparece, e sai de cena como vitoriosa. As novelas estão se tornando reais demais. Vemos isso todos os dias no noticiários. Esperávamos que, ao menos na novela, a assassina fosse presa.
Nas duas novelas, a ideia inicial era muito boa. Os atores são excelentes. Mas o autor se perdeu no final. A bandeira da vingança, do ódio, da justiça com as próprias, ainda bem, não arregimenta muitos defensores. O bem tem que vencer no final. E o bem é superior ao mal, justamente por ser capaz de perdoar, de passar por cima, de relevar. Por conservar seus valores positivos nas difíceis horas.
Mudando o foco para personagens coadjuvantes, e aqui me criticarão mais uma vez, tenho que dizer a verdade: Sou fã de Alexia. A única das três envolvidas com o trígamo, que foi capaz de parar de reclamar, perceber a real situação e partir para a negociação. Sim, ela é a mais sensata. Sempre foi. As outras ficam num papel pseudo moralista, mas aceitam a corte e a traição. a única diferença é que são egoístas e teimam em se iludir que ele será só delas, como posse. Não faz parte do caráter dele, genuinamente infiel. Alexia sabe que ele jamais será fiel. Mas deseja que ele seja ao menos leal. Que seja tudo feito às claras então, sem hipocrisia. Isso existe, tem nome, e é uma tendência cada vez mais atual, até pela questão numérica. Temos muito mais mulheres, que homens. O nome disso é poliamor.
Por outro lado, as novelas tem tido sim, um papel educativo, de evidenciar à sociedade o que ocorre e fica escondido embaixo do tapete. Sim, vivemos em uma sociedade corrupta, que paga e recebe propina, onde adolescentes usam drogas, reúnem-se em gangues e roubam, fumam, bebem cedo demais. Onde descobrem a sexualidade igualmente cedo, e sem o devido preparo. Tá faltando educação em casa, na família, pelos pais e isso não é papel da escola. Sexo é assunto de família. Pois amor é assunto de família, e os dois assuntos deveriam ser tratados juntos. Então, quando uma novela mostra uma adolescente que engravidou, em minha opinião não está dando mal exemplo, está mostrando mazelas que ocorrem diariamente na sociedade. E é muito mais evidente na população carente, onde tudo falta, que nas classes sociais mais abastadas.
Esses são apenas alguns dos assuntos espinhosos que as novelas abordam e de uma maneira correta ou não, levantam a discussão.  Há quem concorde, há quem discorde. Mas numa coisa acredito que todos irão concordar. Não há argumento que defenda a vingança, o rancor, a mágoa, a falta do perdão; a apologia ao ódio acima do amor. Isso, em minha opinião é um retrocesso desnecessário.
Por Cris Vaccarezza

Um verdadeiro amor de novela

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Desde João e Lara, que em 1972, viveram em Irmãos Coragem uma das primeiras histórias de amor, que casais vem ficando marcados em nossa memória. Quem esquecerá do amor de Herculano e Amanda, nas duas versões de O astro; quem não se lembrará do lendário amor de Jean Pierre e Aline, tendo como pano de fundo uma trama política medieval. O amor de Zé Inocêncio e Mariana, em Renascer, A honesta luta de Ivan e Raquel, provando que mesmo para sobreviver não Vale Tudo. O amor atemporal de Rafael e Serena em Almas Gêmeas. A força do amor de Zeca diabo e Santinha, que superava convenções religiosas. As confusões apaixonadas de Petruchio e Catarina, em O cravo e a rosa. O amor épico de Garibaldi e Manuela, em A casa das sete mulheres; o amor poderoso de Sinhozinho Malta e viúva Porcina, na censurada Roque Santeiro. A pureza de Jesuíno e Açucena, em Cordel Encantado; O amor imigrante de Matheo e Giuliana. Os encontros e desencontros de Professor Fábio e Jô Pentead. O amor nada convencional de  Olavo e Bebel em Paraíso Tropical. O amor indeciso de Lucas e Jade, em O clone. O doce amor de  Danilo e Ana Francisca, em Chocolate com Pimenta; A história de Nassib e Gabriela. O amor construído por Raj e Maya, em Caminho das ìndias. O romance apaixonado de Nando e Milena, em Por amor. E o puro amor de Claudio e Edwirges, em Mulheres Apaixonadas.
Todos exemplos de amor de novela. Todas belas histórias de amor com final feliz. E aqui você vai dizer. E quem disse que a história acaba no "FIM"? Claro que não, a vida continua e a história talvez não fosse tão feliz que tivéssemos a oportunidade de acompanhar o casal, além do "pra sempre". Embora efêmeros e ficcionais, os amores de novela são marcantes, exatamente pela fantasia da perfeição que envolve o casal.
É óbvio que amor de novela é idealizado, é fantasioso, perfeito demais. Mas é ao mesmo tempo leve, alegre, feito para aliviar corações. Não são feitos para serem analisados, são feitos para serem assistidos.
Apesar de toda fantasia dos amores de novela, de toda pretensa irrealidade envolvida, e de ter essa aura de efemeridade, eu queria citar como exemplo uma linda história de amor real, o amor entre o Príncipe Shah Jahan e a Princesa Mumtaz Mahal. De acordo com a história o príncipe, então com 14 anos de idade, visitando um bazar encontrou Aryumand Banu Begam com 15 anos, filha do primeiro ministro. Ficou tão encantado com a menina que, no mesmo instante, comprou um valioso diamante, e foi ao pai da moça e anunciou o seu desejo de casar com ela. O casamento ocorreu cinco anos mais tarde e dali em diante eles tornaram-se inseparáveis. A princesa, a quem Shah Jahan chamava carinhosamente de Mumtaz Mahal, "A jóia do Palácio", acompanhava-o em todas as campanhas militares, e era ela que o aconselhava nos negócios do estado e nas obras beneficentes. Shah Jahan teve "outras esposas", mas a sua predileta era Mumtaz Mahal, sua única e mais preciosa Jóia, com quem teve 14 filhos.
Em 1631, a princesa morreu dando à luz a sua última criança. O príncipe, com o coração partido, durante duas décadas de sua vida cumpriu com sua promessa, construindo, um monumento como símbolo do seu amor imortal para sua esposa e eterna companheira. O Taj Mahal foi construído sobre o túmulo de sua esposa e é considerado uma das maravilhas do mundo e permanece no meio dos jardins do rio de Yamuna em Agra, na Ìndia. Embora real, nos dois sentidos da palavra, a história dos dois parece amor de novela.
De novela, ou da vida real. Bom é o amor que vale a pena, que constrói. Que se deixa eternizar. amor que permite sorrisos, mas que também derrama lágrimas, arranca suor, gera sentimentos e nos deixa saber que estamos vivos.
Para finalizar, quando eu falei no outro post em "amor de novela", quero sim um amor real que tenha seus momentos de fantasia, de suavidade, de final feliz. E você, anônimo, pode até discordar, mas se fechar os olhos nesse momento e tentar lembrar de um beijo de novela, daqueles esperados por capítulos inteiros, tenho certeza de que saberá de que tipo de amor estou falando.
Por Cris Vaccarezza

Pesadelo

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Essa noite tive um pesadelo: Acordei de ressaca em um motel, ao lado de um errado que mal sei quem é.
Outro corpo atlético, adulterado pelo álcool, pela carência ou pela solidão, com quem vou cruzar na rua daqui a algum tempo, sem mal lembrar o nome. Afinal, quem era aquele? Outro erro. Outro engano, meu Deus!
Mais um final de semana que começa numa ressaca, num duplo mal estar! Chamam isso de modernidade, casualidade, de normalidade. Eu chamo isso de loucura necessária à manutenção da sanidade.
Ando enjoada desse despertar ensandecido, como quem acorda de um sonho lindo, e cai na dura realidade. Como quem assiste novamente ao mesmo drama, já sem lagrimas para chorar.
A mesma seqüência de imagens: A seguir catar roupas espalhadas pelo chão, tomar uma ducha e partir. Sem esperar carinho, intimidade, continuidade. Sem esperar nada. Shift+Alt+Delete. Como se fosse uma fêmea que necessita reproduzir. Como se fosse um cio biológico. Acabara de tratar como reprodutor, aquele corpo ao meu lado. Acabara de ser a boneca infalível da vez. Mas não  estava interessada em procriar naquele momento, muito pelo contrário! Não queria reproduzir mais nada daquele pesadelo. Antes, quisera apenas sentir...prazer. Não o carnal, o do calor de um abraço.
Queria despertar o mais que depressa, daquele sonho horrível! Fecho a porta daquele quarto de motel esperando nunca mais voltar a vê-lo na vida! Não que não tenha sido bom, foi apenas incompleto. Vazio. Ressaca moral! Ressaca mortal. Náuseas de mim! Apenas um pesadelo, graças a Deus!
Nossa! Que sede... de amor!
Por Cris Vaccarezza

Pudor

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"- Meninas tem que ter pudor! 
- Mas que atitude machista, papai! 
- Atitude machista nada?! Atitude machista é sair por aí, feito caça, atrás de caçador! Atitude machista é ter que tomar atitudes para forçar barras, por carência. Tá faltando macho. Claro! As fêmeas estão machos demais!"
Nem é que meninas têm que ter pudor. Acho que pessoas de modo geral tem que ter pudor. Pudor de se expor tão patética e precocemente em relações imaturas que desrespeitam seus corpos e violentam sua alma. Eu disse pessoas. Não apenas mulheres.
Não acho que mulher tenha que ser feminista, machista, sexista. Acho que mulher tem que ser feminina. Estamos deixando de ser.
Já passamos dessa era de conquistas pela força, pela imposição do poder. Vamos lá! Já estamos no século vinte e um. Não há mais espaço para queimarmos soutiens em praça publica. Já nos libertamos da opressão no grito. Conquistamos nosso espaço pela competência. Agora é hora de mantê-lo com inteligência, com graça. Não há porque sair se dando por ai indiscriminadamente, se deitando e se deixando usar como nos tempos dos coronéis, em nome de um prazer que ainda não conquistamos de verdade. Bom lembrar que a mulher não lida com a sexualidade como os homens. E isso é biológico, não é social. E não acho que sair por aí, tentando com vários ao mesmo tempo vá ajudar.
O problema é que em vez de ensinarmos aos homens, como queremos ter prazer, e que assim tenham mais prazer com nosso prazer, estamos deixando que nos tenham apenas como objetos de seu prazer. Eles se saciam. Nós não. Uma vez saciados de corpo, eles partem em busca de algo mais.
O que acontece é que saciedade sexual no homem, isoladamente e a longo prazo, causam tédio a ele. Na mulher, isso ocorre a curto prazo. Então, ele segue para outra, em busca de algo especial que lhe complete mais que o corpo. Sem se dar tempo de conhecer aquela em especial. Enquanto ela, por falta de tempo de se dar a conhecer, acaba tendo que buscar mais um, o próximo, porque o que jaz agora ali na cama, é mais um que não soube conquistar a sua intimidade a ponto de lhe dar o verdadeiro prazer.
Seguem então, homens e mulheres, incompletos, rumo a um ideal inatingível. Em busca da perfeição , em vez do conhecimento. Correndo atras do pote de ouro no fim do arco irisa. Jamais chegarão. Um dia, cansados de tanta busca e tropeço, acabam casando com o primeiro que parece menos errado, e se divorciam em seguida por perceber que ainda não encontraram o que buscavam.
E isso não tem nada a ver com machismo e feminismo. Tem a ver com pressa, disputa boba de poder, jogo fálico. Infantilidade emocional.
Cada vez mais homens e mulheres têm casa, carro, beleza, tempo, saúde, independência financeira mas não têm com quem partilhar. Podem ir a todo os lugares, mas nao têm com quem. Não têm a quem dedicar seus dias. Têm tudo, mas não são felizes. Tudo isso por não se darem tempo para se conhecer, se cativarem, se tornarem íntimos antes de terem qualquer intimidade. A modernidade aboliu as regras, mas viver sem método é impossível. Gera o caos. É o que estamos vivenciado. Nada contra o sexo. Tudo contra a falta de pudor. É preciso que as pessoas conquistem as vergonhas do outro, antes de penetrá-las. É preciso dar-se tempo de derrubar o pudor com palavras, gestos, atitudes. Substitui-lo por afeto, confiança, parceria.
Assim teremos relações muito mais prazerosas, pois tudo aquilo que se faz com intimidade tem um sabor diferenciado. Assim como toda fruta, provada no tempo certo, não tem gosto de verde nem devês. Tem o doce da fruta plena de prazer. O doce que todos buscam de maneira errada.
Por Cris Vaccarezza

Diante do espelho

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De vez em quando se queixava de que era pra casar, dizia que queria ter filhos. Constituir família. Tinha esse sonho. No sonho, seus filhos eram, assim como ele, um retrato da perfeição. Gritava aos quatro ventos, que queria uma namorada. Aliás, queria a namorada, perfeita, para ser a mãe perfeita dos filhos que sonhara.
Belo, inteligente, competente e  muito, mas muito sedutor. Esse era o problema. Ele mesmo era o único que não se encaixava nos seus sonhos. Queria uma coisa, seu corpo, imperiosamente reivindicava outra. Suas palavras afirmavam querer o rumo Norte, mas suas atitudes levavam as palavras, como vento, para o Sul.
Não compreendia que o outro que desejava, não era ninguém mais, além de ele mesmo. Conscientemente, queria ter ao seu lado uma mulher que fosse o reflexo de si mesmo, que parisse miniaturas dele. Para que se visse glorioso, renascendo e revivendo dessa vez, a vida perfeita que ele sonhou e não teve.
Narciso não percebia que fora de si, jamais encontraria algo que julgasse tão perfeito. Não percebia a própria imperfeição. Por mais perfeito que alguém fosse, ele buscaria em outra pessoa, personificação ainda mais perfeita, pois as qualidades que via em si, estavam maldosamente espalhadas em diversas pessoas. Impossível reunir tantas qualidades em uma só pessoa, além dele mesmo.
E ele buscaria a imagem que idealizou do (homem) ideal em uma mulher, em um par de crianças, em uma família, e morreria velho, perseguindo a si mesmo no espelho, sem tempo para amar o que quer que conquistasse fora de si.
Solitário, como Narciso. Destinado a ser incompleto, por buscar enfim a completude no reflexo de sua própria imagem. Por buscar a sua alma gêmea no fundo do espelho. Por buscar obsessivamente aquilo que jamais passou de um reflexo, uma ilusão. Infeliz por amar demais uma miragem.
Bastaria ter olhado para os lados, para perceber a infinidade de possibilidades que tinha. Mas ele preferia permanecer hipnotizado, diante do espelho.
por Cris Vaccarezza
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