Instrumento

Então ele chega em casa, acende a luz do quarto, dissipando a penumbra do ambiente. Quebrando o silencio. Caminha resoluto em minha direção. Permaneci inerte, onde estava, antes no escuro. Num mutismo interminável.
Ele poderia ter ido fazer qualquer coisa, tomar uma ducha, beber uma água... Mas sua paixão, ah sua paixão o impelira para aquele canto do quarto. Chegou junto, puxou pelo braço, numa firmeza delicada de quem diz: Vem pra mim, que eu te quero!
Ainda firme, colou seu peito quente, em minhas costas frias. Manteve meu corpo curvilíneo acomodado em seu colo. Parecia ansiar pelo toque. Mas antes, sentia o cheiro, o aroma amadeirado. Aguçou seus sentidos. Ele me ouvia. Queria ouvir, mas eu permanecia no mutismo de antes.
Finalmente seus dedos deslizaram decididos pelo braço em direção ao corpo, desceu pela parede inerte e concentrou-se no centro, lentamente, seguramente, como quem sabe exatamente o que faz e o que quer, começou seu dedilhar.
Dedo por dedo, corda por corda, o toque era preciso e no ritmo exato. O som resultante era evidente. Impossível calar a voz de um instrumento afinado nas mãos de um musico experiente.
Agora não tinha jeito. Aquele dedilhar duraria a madrugada intera. Iria incomodar os vizinhos com nossa harmoniosa sinfonia. Se unindo ao meus gemidos sonoros, ele entoou com sua voz melodiosa: "Essa noite não tem luar"... Mas tinha!
Seriamos noite a dentro um perfeito casal, ele dedilhava meu corpo extraindo a melodia que amava. Seriamos então inseparáveis. Ele me dava alma, ânimo, me animava. Sen ele, eu era apenas um objeto mudo, trancado em um quarto escuro. Ali, em seus braços, seu tocar me dava sentido, me tornava especial. Não, não era mais um, era o seu, violão.
Por Cris Vaccarezza

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