Encontro às escuras

Na hora marcada, ele estava na porta do restaurante. Ela também. Ensaiava as palavras. Tensa! O que dizer? Primeiro encontro. Tudo novo. De novo. Outras possibilidades.
Por fora, tudo lindo. Lá estava ela, toda arrumadinha. Embalagem perfeita, fora aquela etiqueta que feria suas costas. Roupa nova é o fim. Por dentro, sempre se perguntara: pra que tanto esforço para aparentar ser exatamente o que não somos?
Liga não, amiga, dizia a mentora do encontro em questão, pessoas gostam de aparências. Ela não! Gostava era de essência. Vai ver por isso estava só. Devaneios... Lá se vai a mente pensamento abaixo... Mas não agora, não aqui.
O cara à sua frente parecia, já que inicialmente, tudo apenas parece, ser interessante. Papo reto, cheio de respeitos e sentimentalidades. Cheio de planos pro futuro. Hum... Se não tivesse visto esse filme tantas vezes, estaria realmente empolgada. Há alguns anos, estaria rindo à toa. Mas a etiqueta... Ah, aquela etiqueta lhe dava ganas de arranca-lá com os dentes? Como concentrar na pomposa história de filatelia da arvore genealógica de seu interlocutor?
Segue a noite, no mesmo monólogo refinado. Lá pelas tantas ele lembra que tem alguém ali à sua frente: - E você, finalmente pergunta... Eu? Never mind! Só quero arrancar essa etiqueta com a unha mesmo e passar pra próxima fase, onde te derrubo... Claro que não disse nada disso. Meninas devem ser comportadas. Limitou-se a um breve resumo dos pontos altos de sua existência. Quase um lattes colorido. Tudo altamente previsível, conforme o script. Mais que o diabo da etiqueta, a essa altura, outra dúvida a incomodava: Por onde anda a originalidade? Em nome de Deus, homem, surpreenda-me!
Enfim, a conta, e ele está prestes a enfrentar a prova final. É ai que a maioria dos cavalheiros desaba do cavalo. Como se comportar a sos, pela primeira vez com uma dama. O segredo é encontrar o ponto certo entre o desejo e a vulgaridade. Homem que apela no primeiro encontro, desafina antes de cantar. Leva logo cartão vermelho. Tem que saber insinuar. Prometer, jamais exibir ou declarar. Apelar pro claramente obsceno então? Nem pensar... Mas você acha que eles aprendem?
Conforme o esperado, esse estava muito mais preocupado com as próprias necessidades. Nem bem entraram no carro e partiu pra cima dela com tantas mãos, que ela achou que finalmente, se livraria da maldita etiqueta. Pensando bem, antes continuar com a etiqueta, a ter aquele sujeito, feito polvo a espalhar tentáculos sobre ela.
Gostaria de ter uma crise de rinite naquela hora, ou de riso. Quem sabe, um ataque de pelanca, mas na falta de sintoma histérico que o afastasse, teve que apelar pra razão: - Olha, tenho que ir agora. Nem precisa me levar em casa. Não teríamos qualquer privacidade, pois os gêmeos são pequenos e chorariam o tempo todo. Vou pegar um taxi porque estou sentindo que está na hora de alimentá-los.
Claro que não preciso explicar que ela é solteira e mora só, exceto pela presença eventual de um gatinho persa, mas ele jamais teria outra oportunidade de saber. Não falar muito sobre si mesma no primeiro encontro tem lá suas vantagens. Na hora certa, basta usar as informações ideais pra se livrar de mais um chato egoísta e apressado.
Chegando em casa, se pergunta pra que tanta produção, tanto discurso ensaiado, pro cara errado? E jura por Deus que encontro às escuras, nunca mais, até o próximo sábado à noite.
Por Cris Vaccarezza

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