Se lembre dos outros

Para a minha mãe:

Eu era pequena, me lembro ainda, dos almoços em família. Sentávamos todos à mesa, juntos, no mesmo horário e só podíamos nos levantar, com permissão, ao final da refeição. A hierarquia era fielmente obedecida. Ali, os assuntos eram abordados e havia questionamento sobre o cotidiano de cada um de nós. Eram os tempos da ditadura, e esses almoços, na época tidos como chatos, eram como uma revista às tropas.
Me lembro que, de vez em quando, o prato do dia era um de meus favoritos. Nessas ocasiões, ao me servir, costumava ir com muita sede ao pote. Tudo aquilo que nos agrada o gosto, normalmente é um convite ao exagero.
Era então que minha mãe alertava, com seu tom firme e conciliador: "Se lembre dos outros!"
Essa máxima, ela deve ter aprendido também na infância, com os próprios pais, numa época muito mais dura, quando as bocas sobravam e a comida era escassa.
O fato é que com essa observação, eu era obrigada a levantar os olhos do meu prato, do meu apetite, que como em toda criança, era o centro das atenções, e lembrar das outras pessoas que também estavam sentadas à mesa, ou que aguardavam para se servir depois. Percebia que, assim como eu, elas também tinham expectativa, ansiedade e fome.
Com essas palavras tão simples da minha mãe, aprendi a me lembrar que há os outros. Aprendi a pensar nas necessidades dos outros. Não apenas nas questões alimentares, mas também nas outras demandas que temos. Aprendi também a me colocar no lugar dos outros, a podar um pouco que seja o meu egoísmo.
Passei a lembrar, que enquanto sacio a minha fome, milhares de pessoas iguais a mim, não tem esse direito tão básico. A orar por elas, e agradecer por nós. Passei a recordar que enquanto há fartura para alguns, para outros, tudo falta. E a me perguntar, e se fosse comigo?
Foi com essa frase, que a minha mãe em sua simplicidade, me recordou as palavras de Jesus: "Ao próximo, como a ti mesmo."
E hoje eu penso, que falta fazem esses almoços em família, aos filhos a quem não deixamos faltar nada... Talvez, em nossa ânsia por preencher, deixemos faltar a eles, o básico: Educação.
Talvez, em nossas agendas apertadas, em nossos almoços de negocios, em nossa vida corrida para que não falte o alimento, a roupa, o estudo, tenhamos esquecido de lhes dar o mais importante. O que Saint-Exuperry já dizia, é invisível aos olhos, o essencial: A devida atenção.
Talvez lhes falte a noção de que não estão sozinhos nesse mundo. De que todos são iguais. A noção de que a minha dor, a minha falta, não é mais importante que a do meu irmão da casa ao lado, só porque é a minha.
Talvez lhes falte os almoços em família. Mais que isso, acho que falta dizer a eles, com aquela voz docemente enérgica: "Se lembre dos outros!"

Mãe, muito obrigada!

Por Cris Vaccarezza

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