Em modo avião

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Quem diria que, sempre tão prolixa, sempre tão falante, tão cheia de contatos; naquele dia, se sentaria no escuro, sozinha na varanda, olhos distantemente marejados, ao som de Barry White, Marvin Gaye...
Mania de fazer péssimas escolhas... Péssimo dia para ouvir Marvin Gaye! - Não misture com vinho! - Gritava o inconsciente, tenso. Subitamente, mais consciente que ela.
Fora isso, o mais absoluto silêncio. Celular no modo avião, como ela, nas nuvens. A casa em silêncio, os cachorros em silêncio. Até o vizinho barulhento, no mais absoluto silêncio. Ouvia-se grilos em plena cidade...
Não tinha dúvidas. Não tinha palavras. Crises de abstinência, nela tinham esse efeito colateral: A deixavam muda. Estava sofrendo justamente, da falta do que a consumia.
Mas a manhã haveria de chegar...
Estava certa de que passaria por mais uma metamorfose, e que dentro em pouco, sairia do casulo reinventada, com novas cores e ideias mirabolantes. Mas no momento, não.
No momento, queria apenas ouvir Barry White até que aquele dia interminável, quem sabe, por ventura, finalmente, chegasse ao fim!
Por Cris Vaccarezza

O que embeleza (e enfeia) a dança

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Dançar, segundo o dicionário, é se mover, ritmadamente, ao som de uma música. De forma harmônica... E eu me pergunto, e quem não tem jeito, ritmo, harmonia, flexibilidade, deve deixar de dançar para não enfeiar a dança?
Em minha concepção, dançar é por a alma em movimento. E como é lindo ver a beleza dançar. Há pessoas que embelezam a dança. Por outro lado, também há os que enfeiam o dançar. Principalmente, a dois. Dançar a dois é uma arte. É partilha. Duas pessoas diferentes, que tem que se unir para se movimentar.
Quando os corpos não sincronizam, há que ter alma para harmonizar os sentimentos. Às vezes um tem graça, o outro não. Às vezes um tem ritmo, ao outro falta. Um tem jeito, o outro não. Às vezes um nasceu para dançar, o outro morre de vontade. Há os que dançam muito e os que queriam muito conseguir. Difícil juntar, no mesmo ritmo, do mesmo jeito. Para embelezar a dança, quem dança muito, tem que ter a humildade de compreender quem apenas deseja muito dançar.
Há pessoas que embelezam a dança com sua postura. Não a sua postura corporal. Com sua postura moral. Tem a gentileza no olhar, a generosidade nos movimentos, a flexibilidade nos conceitos, a humildade como guia. Embeleza a dança, quem tem paciência com os erros dos outros, sabe que erra também. Embeleza a dança quem sorri de seus erros. Quem não se importa de tentar outra vez, quem quer ensinar, dividir, partilhar, se expressar, não apenas aparecer.
Embeleza a dança, quem perde o ritmo, o sapato, o passo, o cambret, mas não perde a linha. Não perde a elegância. Embeleza a dança, quem não se incomoda de ser eterno aprendiz, quem quer aprender todos os dias, quem não desiste nunca de ser feliz.
Enfeia a dança quem dança bem, mas dança só. Não sabe dividir, perdoar, agregar. Quem finge ser o que não é, quem se impacienta com os tropeços dos outros. Quem faz cara feia, comentário menor, movimento maldoso para derrubar o outro. Enfeia a dança quem tem o corpo mole e a alma enrijecida pelo orgulho. Quem é cheio de si e vazio de simpatia. Quem discrimina no convite, quem segrega, quem separa. Quem recusa sem motivo, quem só quer os melhores e esquece que ninguém pode ser o melhor em tudo.
Não enfeiam a dança os desajeitados, enfeiam a dança, os desalmados de todos os tipos. Os egoístas, os recalcados. Os que dançam para sim, não pelos outros. Não enfeia a dança, os que titubeiam, mas aqueles, cuja atitude beira o estrelismo e a incompreensão.
Enfeia a dança, não quem tropeça num passo, mas quem tropeça no próprio ego inflado. Quem precisa diminuir o candeeiro alheio para fazer o próprio holofote brilhar. São como pedras de zircônio, aparentemente lindas, mas carentes de luz. Necessitam estar sob os holofotes para se sentir resplandescentes. Acontece que o irreal, não dura para sempre. Um zircônio brilha, mas jamais será diamante. Zircônio só é zircônio, na luz. Diamante é diamante em qualquer lugar. Diamantes duram para sempre.
Não enfeie a dança. Não enfeie a vida. Respeite o talento dos outros. Respeite a falta de talento do outro. Respeite. Se o outro não consegue, compreenda. Se o outro não sabe, ensine. Ensinar é ser generoso, tolerante, é sorrir de coração, não só da boca pra fora. Fomentar competição entre desiguais não é ensinar, é desmotivar. Há os que dançam para competir, mas também há os que dançam para não se sentir sós. Pense no quão só, uma pessoa rejeitada pode se sentir.
Embeleze a dança. Quer dance pelo prazer pessoal, ou pelo profissional, que pessoal seja pessoal e profissional, seja profissional.  Minhas caras damas, meus queridos cavalheiros: A escolha desses nomes, não foi e nunca será coincidência. Vale honrar o posto ainda dure apenas uma dança.
Por Cris Vaccarezza
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