Outubro Rosa

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Não era mesmo uma ironia do destino? Em pleno mês de Outubro! Mais especificamente, dia 26, de um Outubro Rosa, se via olhando fixamente para aquele papel. Os olhos reliam e fingiam não compreender o escrito: "Células metastáticas de carcinoma do colo uterino altamente indiferenciadas". Mas sabia exatamente o que acabara de ler. Já vira muitos daqueles exames serem abertos, diariamente em sua rotina de trabalho. Câncer!  Não apenas um carcinoma in situ. Não apenas um câncer inicial. Aquela era praticamente, uma sentença de morte: Foram encontradas metástases de um tumor principal no colo do útero. E se fosse apenas isso, menos mal. Mas o papel dizia sem mais delongas: Altamente indiferenciadas. Ou seja completamente enlouquecidas, mordazes, destrutivas, invasivas, agressivas, vorazes. Em pouco tempo, aquelas pequenas partes de si mesma a destruiriam por completo. Autótrofas. Não havia muito tempo.
Não havia muito tempo para ver as crianças crescerem, não havia muito tempo para ver o sol nascer e se por. Não havia muito tempo para dançar na chuva, nem para comer brigadeiro até enjoar. Não haveria muito tempo para enjoar de nada. Não lhe restaria tempo para encontrar um grande amor...
Percebeu então, que adoecera em função de um grande amor. Fora por amor a ele, e não à saúde dela que fora exposta ao vírus. E ele, o vírus, causara tanto estrago. Pensava estar imune por estar casada por vinte e tantos anos. Pensara estar segura. Mas foi somente quando descobriu o caso extraconjugal, quase tão antigo quanto o casamento, que percebeu que fora redondamente enganada.
De lá pra cá, fora só trabalho, só rotina, só dedicação. Fora a mãe para compensar o pai ausente, fora a boa filha para compensar a mãe ausente, fora a melhor irmã, a melhor secretária, a melhor amiga, a melhor ouvinte; a melhor qualquer coisa que cuidasse dos outros e deixasse correr à margem, o rio da sua vida. Fora quase tudo, menos mulher... Aos 53, sentia-se uma velha já, para quase tudo... E agora, agora não havia mais tempo sequer para envelhecer. Percebeu que jamais envelheceria de fato.
Não havia muito tempo, como não houvera muito tempo nas tantas vezes em que marcara e desmarcara a visita ao médico. Não houvera tempo para cuidar da saúde. Nem houvera tempo para dar uma pausa no trabalho. Tantas vezes adiara um check-up, uma consulta, um exame de rotina...Estava sempre correndo, sempre apressada, sempre esbaforida, sempre atrasada e agora, que irônica e realmente não restava mais muito tempo, sentia-se jovem demais para morrer. Mas a vida não mais concordava com ela.
(Por Cris Vaccarezza)

A casual revolução da maçã

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Quem foi que instituiu a rapidinha? Quem foi que inventou o rapidinho? O apressadinho, o dá ou desce, o sai da frente que atrás vem gente? Quem foi que impôs como regra de conquista a efemeridade?
Acabou virando decreto que um casal se conhece e tem que rolar beijo no primeiro encontro, e tem que rolar amasso no segundo e tem que rolar química de cara e tem que rolar sexo no quarto, na sala, no elevador, na varanda, no motel, na balada.... Tem que rolar! Quem disse???
Estamos gerando um exército de solteirões ávidos por fortes emoções! Uma bando de zumbis que saem pras baladas, embalados pelo último hit dançante do momento em busca de devorar... de devora-se. E devoram-se velozmente, ferozmente. E quando acaba, acaba a química, desfaz-se a mágica. A carruagem vira abóbora, a Cinderela volta a ser mais uma gata borralheira e o príncipe, bem, esse nunca chegou de fato a deixar de ser sapo.
Cadê a graça? Cadê o frisson de se apaixonar? De se ver conquistado? De se sentir fascinado, de conhecer o outro e se deixar desvendar pouco a pouco? Cadê o passo a passo, o pouco a pouco? Cadê o romantismo? Será que embriagou-se na última balada e embriagado, tropeçou na escada e torceu o pescoço? Morreu?
Cadê a troca de olhares que vai pouco a pouco desvendando o outro? Cadê a troca de carinhos, de mãos, de abraços. Cadê a troca de afeto? Troca-se o que nesses relacionamentos instantâneos, além de fluidos corporais? Cadê as flores, cadê o diálogo? Será que dos amores de ontem, os contemporâneos forma reduzidos a apenas amantes?
Estamos formando um batalhão de carentes, anestesiados pelas várias doses de uma bebida qualquer. Altamente sexualizados, estressados, brutalmente acéfalos, em busca de uma válvula de escape que alivie a tensão? Virtualmente conectados, apaixonados e repentinamente percebidos como perfeitos desconhecidos. Desconhecidos até de nós mesmos. Nós não nos conhecemos! E Despertamos assustados em camas alheias, com os mais completos estranhos, em nome do prazer(?).
E há prazer? Estudos insinuam que não. Que o prazer real, reside na intimidade. O resto é um fingir sem freio. Fingir ser, fingir poder, estar bem na foto. Fingir satisfazer. Fingir satisfazer-se...Enfim! Em um mundo onde compra-se sexo em cápsulas e amor em comprimidos coloridos, porque não inventar o elixir do prazer instantâneo? E ele está aí, pelas noitadas...
E eu me pergunto apenas se foi a pílula anticoncepcional, que como a maçã, acabou com a pecha de ter inventado o pecado; ou se foi o corre corre cotidiano quem decretou que tem que ser agora, que tem que ser rapidinho, que tem que ser breve?
Um brinde àqueles que sabem o verdadeiro prazer escondido no esperar acontecer naturalmente.
(Por Cris Vaccarezza)

Escrito:Pensado e não dito

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Boa noite, amor!
Passei o final da tarde com o calor das suas mãos gravadas em meus cabelos. A suavidade de seus dedos no passear por entre os fios, mãos de quem é hábil em pentear meninas.
Passei a tarde com saudades de seus beijos, e com o cheiro do seu perfume ainda nas roupas.
Passei a tarde com a memória do mel dos seus olhos nos meus, e seu sorriso, ah, seu sorriso a me sorrir todo o tempo...
As músicas de ontem, cantadas e recantadas em meus ouvidos. E por fim, mas não menos importante, seu soprar de leve em meu pescoço, que longe de arrefecer o calor, elevava os graus do ambiente.
Em resumo, passei o fim da tarde com saudades de você...
Mas tudo assim, em silêncio. Fico assim, em silêncio. Pensado em silêncio, sentido em silêncio. Permanecido em silêncio... Impressão incômoda de que se pronunciado, se desfaria pelo ar.
Por Cris Vaccarezza

Exposto

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E de repente, o cheiro de um perfume inominado, me chega devagar. Me chega pelo ar, de longe... E se tranca na memória, escrevendo a sua história enredando pensamentos conflitantes. Arranca um suspiro de saudade. 
E eis que de repente te ouço em pensamento, numa dessas frases escritas e cantadas por alguém, que se endereça a quem se ama e enredam outras histórias, embalam corpos num balançar harmônico. E que ditas assim, num sussurro, cochichadas assim, ao pé do ouvido, se ligam imediatamente aos pelos dos meus braços, energizando-os...E eis que a poesia se faz mistério, que a vida se faz conselheira, que a estrada se faz ponte, que o dia se faz canção e o palco iluminado é o local de encontro das almas...Tudo em torno cala, suspira, conspira a favor. Toda a multidão se esconde, desaparece num cerrar de olhos que tudo sente. Num abrir de lábios que entregam uma alma, um coração...
E o que se faz com um coração exposto? É a pergunta que não quer calar.
Por Cris Vaccarezza

No trapézio sem rede

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Tão paradoxal quanto intensa, a sensação de se apaixonar...
Lentamente, rapidamente; cautelosa ou enlouquecidamente; sabiamente, irresponsavelmente, reversível ou irremediavelmente, apaixonar.
Sensação similar, devem ter os que se arriscam na ponta de um penhasco para se lançar ao sabor do vento, da sorte, num parapente, numa asa delta, num ultra-leve. Ou um trapezista do alto da torre do trapézio, na dúvida entre essa vinda e aquela volta do balanço. Na dúvida entre agarrar-se ou não aos braços que balançam estendidos. Aquele segundo decisivo onde você se percebe no alto e só há dois caminhos, desistir ou se atirar. Ver a vida lá de cima, deixar o resto do mundo cá embaixo, calcular o risco, imaginar a dor de estatelar-se na queda...
Mas aquela adrenalina... Ah, aquela adrenalina de coração na boca, aquele pulsar acelerado,descompassado, aquele sangue correndo nas veias e gritando: Estás vivo! Estamos vivos! Estou vivo! O prazer de respirar, não mais a brisa leve do rasteiro, o vento impulsivo da montanha, que areja a alma e despenteia os cabelos...
A ousadia de deixar que o outro toque sua pele, seu corpo, sua alma, seu coração. O medo do guardado, pouco a pouco revelado... A duvida do permitir-se ou não. A troca mútua de confiança, o tempo passado a dois, a força das palavras, dos silêncios, dos olhares, das inúmeras sensações.
E que sensação deliciosamente dúbia, essa de apaixonar-se e reapaixonar-se... Pelo outro, por si mesmo, pela vida em seus saltos sem rede de proteção...
Creio que ao decidir lançar-se, todos pensam: Que seja enfim... E que todas as reticências sejam lidas como suspiros... Como pontos de continuação.
Por Cris Vaccarezza
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