Não havia muito tempo para ver as crianças crescerem, não havia muito tempo para ver o sol nascer e se por. Não havia muito tempo para dançar na chuva, nem para comer brigadeiro até enjoar. Não haveria muito tempo para enjoar de nada. Não lhe restaria tempo para encontrar um grande amor...
Percebeu então, que adoecera em função de um grande amor. Fora por amor a ele, e não à saúde dela que fora exposta ao vírus. E ele, o vírus, causara tanto estrago. Pensava estar imune por estar casada por vinte e tantos anos. Pensara estar segura. Mas foi somente quando descobriu o caso extraconjugal, quase tão antigo quanto o casamento, que percebeu que fora redondamente enganada.
De lá pra cá, fora só trabalho, só rotina, só dedicação. Fora a mãe para compensar o pai ausente, fora a boa filha para compensar a mãe ausente, fora a melhor irmã, a melhor secretária, a melhor amiga, a melhor ouvinte; a melhor qualquer coisa que cuidasse dos outros e deixasse correr à margem, o rio da sua vida. Fora quase tudo, menos mulher... Aos 53, sentia-se uma velha já, para quase tudo... E agora, agora não havia mais tempo sequer para envelhecer. Percebeu que jamais envelheceria de fato.
Não havia muito tempo, como não houvera muito tempo nas tantas vezes em que marcara e desmarcara a visita ao médico. Não houvera tempo para cuidar da saúde. Nem houvera tempo para dar uma pausa no trabalho. Tantas vezes adiara um check-up, uma consulta, um exame de rotina...Estava sempre correndo, sempre apressada, sempre esbaforida, sempre atrasada e agora, que irônica e realmente não restava mais muito tempo, sentia-se jovem demais para morrer. Mas a vida não mais concordava com ela.
(Por Cris Vaccarezza)