No freezer...

Era assim que ela se sentia.
Ele era o cara que como dizia a terapeuta, conseguia mobiliza-la. Só ele a aquecia. Só com ele revirava os olhinhos e entregava a alma. Sabia que era um cafa, e pior, um cafa do tempo das cavernas. Politicamente incorreto, avesso aos padrões metrossexuais da sociedade atual. Ao contrario de vários amigos que conhecera nesse tempo de solteirice, e cujos argumentos não a convenciam de modo algum, ele era um "macho alfa". 
Consciente de seu dedinho podre, ela tentava, sinceramente tentava, interessar-se por eles. Mas nada! 
Por dentro era gelada como uma torta de limão. Doce na superfície, azeda na essência. Azeda por não ter percebidos seus sabores, diversos do gosto da maioria. Gostava do que detestavam. 
Gostava de ler, gostava de ouvir música que lhe falassem à alma, gostava de clássicos, de vestir casual, de simplicidade, de generosidade, de autenticidade. Detestava desonestidade e demagogia, adorava ação coerente com o discurso. 
Era sim, exigente demais, um alien.
Mais que isso, sabia que no fundo de tudo isso, havia um desejo de encontrar não o novo, mas o perdido. Uma comparação velada... Sabia que convidava com a boca, mas se postava na porta do coração, com uma espada. Só faltava gritar: xô! 
Cansada dos outros e da própria teimosia, resolvera manter-se isolada e em paz. Cautelosamente, escalara a geladeira e se refugiara lá, no congelador, no ponto mais alto da duplex. 
No freezer, aguardando que algum vulcão (talvez o único que lhe mobilizava) enviasse larvas em chamas, que alcançassem seu recanto, aquecendo sua alma, sem lhe violentar o coração.
(Por Cris Vaccarezza)

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