Bento

Quisera viver de rimas. Quisera poder viver de escrever canções. Mas a vida, essa agulha afiada que nos tece os dias, pôs-lhe enxada às costas e tocou-lhe à lida, de sol a sol. E lá se foi, cantando.
Matraqueava a enxada na terra, sulcando o arredio chão. Ferindo a embrutecida gleba, na esperança vã, de em caindo a chuva, viesse frutificar o trigo, e em dourando o trigo, pudesse fazer o pão. Em troca, proclamava seus versos como que a inspirar o solo a frutificar o grão.
Contudo, eis que a vida, esse amontoar sombrio de sucessivas dores, veio amarrotar o brio de suas ambições e nem gota, nem água, nem grão, nem trigo, nem pão. A ele, só restou canção.
Somente o suor do rosto, era a umidade abundante que viam as calejadas mãos. Só que o suor, salgado, não serve pra regar o chão.  Mas matuto é cabra bom, sertanejo é forte que só,  marchava de sol a sol, em riba do fio de esperança que lhe animava o coração. E sem amuar-se um só minuto, seguia cantando e semeando a fé:
Há de chover no sertão! Um dia chove. E nesse dia, ah! Teremos de tudo o que é bão! Da semente há de brotar a árvore. Da folha, fazer-se flor, da flor, brotará a abelha que nos dará o mel, fruto de seu labor. O cinza há de verter-se verde. O verde há de trazer a sorte, a sorte trará fortuna e a fortuna, trará o amor. Que amor é fruta rara, nessas terras judiadas, na miséria, difícil cultivar o amor. Mulher é flor sensível, carece amor e convívio. Coisa que no meu lutar sem alívio, com certeza, não posso dar. Mas dia virá, meu Deus, em que fina flor terei para meus dias encantar e uma mulher faceira, virá ser minha companheira para todo o sempre, amém!
E o matuto viveu seus dias, de enxada, esperança e poesia, sem jamais prosperar. E eis que a vida, esse sopro imprevisível, que do nada, de repente se esvai, veio um dia sem aviso, ainda moço sua saúde fragilizar.  E morreu feliz da vida, sem ao menos um lamento, na certeza de um dia, retornar:
Finam-se os dias, de míngua e agonia, meu corpo vai enfim, descansar! Mas dia virá, meu Deus, em que tua glória irei alcançar! Sigo com passos incertos, na certeza de que no universo, terra mais fértil haverá!
Foi assim que amou infinitamente, posto que queria viver de fazer poesia, e como só tinha a alma poética, só de poesia viveu. Um dia, cansado, vencido na lida, caducou e morreu. Mas não morreu de poesia, pois de poesia não se morre, eterniza-se.
Do chão rachado onde Bento foi sepultado, da terra seca onde nada nascia; da mais profunda aridez do sertão quase deserto, brotou uma flor vermelha, que o povo chamou de Poema.
Feito inteiro de poesia, semeado na terra fria, brotou e floresceu.
Por Cris Vaccarezza

1 comentários :

Anônimo disse...

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