Status Quo

Lembro que costumava ler, quando novinha, aqueles livros açucarados, repletos de heroínas falhas e heróis másculos e apaixonados, que nos amariam e compreenderiam apesar de todos os pesares, por toda a vida e além, para sempre. Jamais encontrei algo assim, além da imaginação dos escritores.
O status quo do amor é um amar sem limites, sem retorno, sem correspondência, sem medidas. Um doar permanente de amor.
Isso posto, amor anda a quilômetros do proposto pelo ideal romântico dos folhetins mais apaixonados.
Vê? Eu disse apaixonados, não amorosos. Quando pensamos em um ser amoroso, no mais das vezes, lembramos da nossa mãe, em tese, exemplo de doação, desvelo e amor. Raramente lembramos do ser com quem estamos envolvidos. E paradoxalmente, esperamos desses, atitudes de desvelo, altruísmo e desinteresse. Como, se o fogo que nos consome é paixão, e não amor? Mania boba de confundir amor com paixão.

Há amor. E não é difícil perceber, embora talvez seja difícil econtrá-lo.  O que ocorre, é que amor não se busca, amor desenvolve-se. Amor não vem de fora para dentro, brota e cresce de dentro para fora. Amor é expansão.
Amor pode até ser verdadeiro, sincero, à primeira vista, inabalável, sem fim, mas não necessariamente correspondido. Porque não se é obrigado a amar na mesma medida em que somos amados. Muito pelo contrário. Longe de ser inquisição, ele é abstração. Amor não é substantivo ou pronome possessivo, amar é intransitivo.
Tampouco, somos obrigados a amar na mesma intensidade. Ele ama, nós talvez não. Isso é uma das grandes lacuna da vida. Não amamos por sermos amados.
Aliás, a bem da verdade, grande parte humanidade sequer descobriu ainda o que seja o amor. Acha que amar é estar apaixonado, amar é ser amado, amar é uma sementeira de atenções e cuidados para o porvir...
Não! Amar é doação! Quando você doa algo, não espera realmente que o receptor venha bater á porta da sua casa, estender a mão segurando a sua e te agradecer. Claro que não! Quem doa, doa por que quer, doa por ter algo em abundância, doa por saber que um, dois ou mais sorrisos serão construídos à sua revelia. Talvez ele nem veja os sorrisos florescerem, mas sabe que alguém há de sorrir. Só isso importa.
Amar como amam os cachorros. Aliás, um impropério, uma mulher traída, magoada, referir-se ao suposto culpado por suas dores como: "Aquilo é um cachorro!" Quem lhe dera, teria um companheiro fiel para a vida inteira. Cachorros amam de verdade. Amar como os cachorros seria um refinamento para os humanos, tão cheios de si.
Não ama quem tem posse, quem domina, quem  manipula, quem chantageia o outro. O nome disso é paixão. Paixão é exigente. O amor, indulgente.
Ama quem liberta, quem compreende, quem ampara sem condições, quem protege sem querer dominar, quem perdoa. Perdoa e deixa ir...
Por isso, amor não é só para o contos de fadas. A paixão sim.
A paixão deixa um Locus, um espaço a ser preenchido. A paixão, de tão insensata, para nos enredar em sua dor, usa o pseudônimo de amor.
Não somos ainda capazes de amar, pois amor é raridade, é pureza, é oração.
Amor não é para o cotidiano, ainda.
Amor é para o futuro. Um futuro de melhores pessoas. Um futuro em que seremos menos eu e você e seremos mais nós. Um futuro em que seremos menos apaixonados e mais amorosos.
Amor é para quando sairmos do Status quo amoroso.
Por Cris Vaccarezza

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