O jardim

Era domingo de manhã. E só por ser manhã de domingo, já era uma alegria. Mas o cenário se coloria dos tons diversos de verde nas folhas que ondulavam com o vento, vários matizes de rosa, lilás e branco espalhado por pétalas sortidas nas várias flores.
Havia também, sutis nuances vermelhas e alaranjadas nas penas dos pássaros que livres, chegavam e partiam, e a mescla de preto e amarelo de uma borboleta monarca que agitava suas asas de flor em flor, por ali. Estava diante do típico cenário da primavera.
Mesmo com o insistente ruído da cidade, divisava claramente um choro de criança aqui, uma conversa de adultos ali, um bater de tambores acolá, mas procurava focar os ouvidos no gorjear dos passarinhos e no som que o vento fazia, ao passar por entre as folhas ou fazer vibrar harmonicamente, os bambus de um mensageiro dos ventos. O som da paz casava-se perfeitamente, com o som de uma balada antiga, vinda de alguma vitrola em algum lugar perto.
Toda manhã de domingo era assim. Quando o sol saia, sentava-se à sombra da varanda e observava os cãezinhos em sua ode à liberdade, fazerem festa por ali. Tirou uma foto, na esperança de eternizar aquele momento de paz, de compartilhar aquela sensação de leveza e alegria com quem mais vibrasse na mesma sintonia.
De seu cantinho, entretida na leitura, podia ver sem ser vista pelos que passavam. E via pessoas irem e virem no seu passar diário, imersos na rotina. Alguns passavam e sorriam, outros apontavam lá pra dentro, indicando ao filho um passarinho que ciscava ou um beija-flor atraído pela euforia das flores. Tinha a impressão de que as pessoas se sentiriam mais felizes como ela, com a observação daquele cantinho de paz.
Naquele momento, observou um casal que passava, e surpreendeu-se com o comentário da jovem, que à distancia, lhe pareceu feliz, mas depois de ouvi-la, não mais. Depois de olhar de soslaio para o jardim por onde passava, a moça comentou com o companheiro:
-Mas que jardim sujo!
Sujo, pensou. Teria ouvido bem? Sim, ela dissera sujo. Mas em relação a que? Não que lhe importasse a opinião da jovem, mas de qualquer maneira, se pôs a procurar sem encontrar sujeira alguma.
Havia sim, algumas folhas secas espalhadas no gramado. Mas folhas vem e vão, caem. É da natureza. Uma vez desprezadas, no chão, viram adubo para o verde novo. E daí? Quem não tem folhas secas, simplesmente não viveu uma primavera ou um outono sequer. Ficou presa no gelo do inverno.
Havia também dois ou três sacos plásticos de salgadinho, desses que crianças desavisadas, provavelmente descartaram pela rua em frente, e o vento se encarregou de depositar no gramado. Devia ser a isso que a jovem se referia. Levantou-se, e recolheu os sacos plásticos. Nem tinha se dado conta deles.
Por fim, estava agradecida à jovem pelo comentário que lhe fez recolher o que poderia mesmo se tornar um empecilho ao ciclo da natureza. Mas ficou a cismar por ela. Tão jovem... Meu Deus! Por que alguém, diante de um cenário desses, deixou de ver a beleza das flores, o canto dos pássaros, a alegria dos cães, o passar do tempo representado pelas folhas secas, e foi ater-se ao lixo trazido pelo vento?
Concluiu que infelizmente, há pessoas assim. Diante da maior beleza, não é capaz de desfrutá-la, de tão concentrada que está, no lixo que o vento traz para os cantos da vida da gente.
Por Cris Vaccarezza

0 comentários :

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...