Incontestável

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Antes de qualquer coisa, tinha uma mania horrível. Tinha a imperdoável mania da fazer perguntas. Perguntas difíceis, que desafiavam a placidez das águas do lago, que se aprofundavam, que nem pedra no poço, calavam, fundo. Perguntas que ousavam ficar sem resposta. Mais que isso, perguntas que teimavam em ficar ecoando na cabeça até que se fosse forçado a buscar uma resposta.
Não era de admirar que não tivesse muitos amigos. Percebendo sua terrível habilidade, as pessoas evitavam-na. Ninguém quer turbulência na superfície de suas águas aparentemente plácidas. Pra que pensar, pra que mudar. Quando criança, ouvira que não se deve pensar na vida. Que pensar na vida faz chorar.  Minto, escutara, não ouvira. Se ouvisse, talvez tivesse levado o conselho em consideração e evitasse esses constantes embaraços.
Mas pra ela era tudo tãããão simples, bastava pensar um pouco, mudar pouca coisa, tentar, lutar contra si mesmo. Mas claro que não! Se dá pra culpar os outros, porque assinar uma confissão de culpa? Se dá pra passar a responsabilidade adiante, se empurrando com a barriga também se anda, por que parar, desapear, pensar (isso dói, faz chorar, lembra?) e num esforço homérico, modificar uma atitude? Arriscar a normose engessada? Quebrar a geleira, provocar uma avalanche?
Ela, respeitava isso. Não conseguia entender, mas compreendia que cada um é uno. E se calava. Calada, preferia ficar de fora da turba animada, só observando. Afinal, era animada, mas não tão animada assim, era alegre, mas não tão alegre assim, e era incômoda, com sua terrível mania de contestar o óbvio.
Por Cris Vaccarezza
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