Biohazard

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Sabe quando você descobre da pior maneira possível que aquilo que parecia tão controladinho, tão racional, que aquele gelo que você achava que mantinha seu coração a salvo do vulcão emocional derreteu há muito tempo e você não viu?!
Pois é, uma pena! De repente, ele passa num fim de tarde todo arrumado para sair e não é com você. De repente, o cheiro dele vai ficando mais tempo colado na sua lembrança, de repente você espera aquela ligação tão óbvia que poderia ser contada em minutos 5,4,3,2,1... E nada!
É aí que você se dá conta de qua não era a última bolacha do saco... Lá no fundo havia mais uma ou mais algumas.
E você se pega numa crise de ciúmes daquele cara com o qual jurava que não iria se envolver. Nada! Isso é só passatempo... É, amiga! Pois o tempo passou e você nem percebeu o tamanho do alçapão. Aos poucos, foi-se deixando enredar pelo carinho dele, aos poucos foi cedendo, se deixando envolver... Caiu de patinha e nem notou que aquele cara com quem mantinha a tal distância emocional, aos poucos foi se distanciando e agora, já é possível ver sem sombra de dúvida que está longe demais do seu alcance. Saiu do entorno do seu abraço e você nem viu. Tão focada que estava em olhar para o retrovisor, nem percebeu o iceberg se aproximando, e como bom Titanic, naufragou...
Não é meio tarde agora, para ficar com ciumeira boba? Não era você que jurava que jamais voltaria a sentir ciúmes de alguém? Não era você que estava no controle? Claro que não, querida! Nunca esteve! Coração é caixinha de fósforo em meio ao mar agitado das sensações conflituosas. Se soltar o leme, por um segundo que seja, tarde demais...
E você, querida, confiou demais no passado. Achou que as cicatrizes te manteriam a salvo, e que os vírus daquele amor fracassado te imunizariam de novas desilusões... Esqueceu-se do Biohazard, subestimou o risco biológico, o risco de estar vivo, de ser humano. Sucumbiu ao risco eterno de respirar.
Grande erro, deixou-se infectar! Tarde demais pra deixar essa lágrima escorrer. Tarde demais!
Por:Cris Vaccarezza

"Caduquice de gente rica..."

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Outro dia ouvi estarrecida, de minha filha, neta dedicada e parceira nos cuidados com a avó, o relato de que seu professor de biologia, em uma aula sobre cérebro, questionado por um aluno o que era doença de Alzheimer, respondeu secamente que se tratava de "Caduquice de gente rica".
É muito triste ver o despreparo com que a maioria das pessoas trata a Doença de Alzheimer. Mais que triste, chega a ser preocupante, dada à gravidade da doença, a crueldade dos sintomas e o aumento do número de casos entre idosos e também, entre adultos maduros.
Para quem ainda não sabe, a doença de Alzheimer, apesar da extensão de danos que provoca, já deixou de ser denominado de mal de Alzheimer, é classificada como um tipo de demência, mas não é "caduquice". Caduquice é um termo antigo, dado à demência mental que acometia preferencialmente pessoas idosas, também conhecida erroneamente como "esclerose". Segundo o dicionário, caduquice é ainda estado ou ação de quem está caduco, isto é, de quem está com a razão embotada em consequência natural da extrema velhice e não uma doença e seria um estado estacionário. O Alzheimer, por outro lado, é uma doença neurológica degenerativa, que ainda não tem cura, e que evolui para a letalidade em 100% dos casos. Com o tempo, o paciente vai perdendo as faculdades e funções psicomotoras e sociais, até o fim.
A doença de Alzheimer, também não é "de gente rica" apenas. Pelo contrário, muitos pacientes com baixo poder aquisitivo enfrentam os desafios da doença acrescidos desse agravante para fazer frente ao alto custo das medicações e à cronicidade da doença, que carece de cuidados intensivos e diuturnos. Felizmente, o governo já inclui as medicações para a doença no programa de medicações de alto custo e fazem a distribuição gratuita da medicação e o médico responsável poderá orientar a família, após o diagnóstico.
Infelizmente, as pessoas tem o conhecimento superficial de que Alzheimer é ligado apenas à perda de memória recente, mas esses são os primeiros sintomas. Por serem justamente confundidos com caduquice, os sintomas são ignorados e a consulta com o neurologista, adiada, perdendo-se a oportunidade de uma intervenção mais efetiva em uma fase precoce, o que permitiria uma atuação mais eficaz das drogas, permitindo ao paciente uma vida com qualidade por mais tempo.
Nas três fases por que passam os portadores da DA, eles carecerão de afeto e cuidados especiais. Mesmo nas fases iniciais. Perda de memória, desorientação no espaço/tempo, sensação de vazio, alterações de humor, agressividade, intolerância ao barulho, mudanças bruscas de comportamento, confusão mental, são sintomas que podem levá-los à depressão. Nas fases mais avançadas, as perdas podem ser ainda mais graves. Paulatinamente, o paciente vai perdendo as vontades naturais, esquece de comer e se comeu, de tomar banho, de tomar os remédios, de se vestir, e vai evoluindo, ou involuindo até esquecer como andar e falar, na fase final da doença, ficam confinados ao leito, dependentes totais do cuidado externo.
Ter um ente querido com DA, é ter o desafio de amar sem limites, de compreender antes de tudo, que as atitudes impensadas e confusas que certamente virão, são frutos de uma doença cruel, e não do comportamento daquele a quem amamos. É o desafio de estar ao lado, de cuidar incondicionalmente. É um aprendizado duro de como abdicar de si mesmo, em favor daquele que tanto nos amou, embora já não se lembre de nós e a quem tanto amamos.
Nesse momento, é importante que a família esteja reunida em torno do paciente, e que se revezem nos cuidados. Primeiro para que o paciente não se sinta desamparado ou esquecido, e depois, para que nenhum cuidador fique sobrecarregado na tarefa de amparar, pois corre o risco de também adoecer. Vale lembrar que cuidar de portador de DA é tarefa ininterrupta. É como cuidar de um adolescente questionador e rebelde, depois de uma criança agitada, com a diferença de que não se tem a mesma autoridade com um pai ou uma mãe idosos, que se teria com uma criança ou um adolescente. Crianças, normalmente obedecem, idosos com Alzheimer, não. Por fim, na fase final da doença, o cuidado assemelha-se ao que carece um bebê totalmente dependente de atenção e carinho. Tudo isso com o luto associado a cada uma dessas perdas daquele a quem amamos, com a crescente sensação de impotência que nos leva da tristeza ao desespero.
É a experiência inversa à de criar filhos, onde a cada dia, vemos o ser conquistar mais e mais capacidades, habilidades, conhecimentos e independência. Cuidar de um portador de DA, é presenciar a perda paulatina de todas as faculdades de quem amamos. Com o único consolo, por assim dizer, de poder se despedir dele diariamente, repetidas vezes, até o fim.
Essas são as informações de uma leiga. Achados completamente informais, fruto das nossas angústias e experiencias pessoais e do pouco que aprendemos até hoje, desde que minha mãe foi diagnosticada com Alzheimer. Mas do pouco que aprendi, uma coisa fica clara, Doença de Alzheimer está a anos luz de ser uma simples caduquice de gente rica.
Por: Cris Vaccarezza

Tem calma!

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Com o tempo, senhor dos exércitos e da paz, vamos percebendo que é a espera, e não a ansiedade, que traz a resposta a todas as perguntas. Que traz à tona a verdade, que destrói toda a vaidade, junto com cada dia, com cada sol. Mas quanto tempo custa ao tempo, passar? O tempo que for necessário, o tempo entre semear e colher, o tempo de esperar.
Afinal, é a espera que dá vida à semente, e a faz romper o lodo, crescer as raízes, e finalmente vicejar o broto tímido, como um carvalho imponente.
É a espera que rompe as entranhas e põe nos braços da mãe, o filho recém parido, para que esta o amamente. 
É a espera que gesta a vida, e traz de volta ao ancião, a saúde perdida. Ou o leva de partida, rumo a terras desconhecidas, ou não.
É a espera que pouco a pouco descortina o véu do medo, que revela enfim todos os segredos, que põe fim a todo o pranto e resgata toda a alegria, toda a emoção.
É a espera que fecha as feridas, que sana as dores, que regenera. É a espera que nos faz tocar a vida, seguir com a lida, elaborar o pão.
É a espera que constrói o prédio, que faz a ponte, que doura o trigo, que amarela o milho, que desabrocha a flor. É a espera que cura a ressaca e é também a espera que apaga na memória a ausência do amor.
É a espera que dilui as mágoas, que cresce os cabelos, é a espera que acalma as águas, que nos adormece, após os pesadelos.É a espera que semeia a paciência, a indulgência, a compreensão.
A espera é mãe da tolerância, da resiliência, da compaixão.É a espera que dá à lagarta, asas. É a espera que confabula o perdão, é a espera que amaina os instintos, que amplifica a voz da razão.
É a espera que dá ao recém-nascido, a habilidade de andar; a mesma habilidade que mais adiante, já envelhecido, ele irá pouco a pouco abandonar.
A espera é a espiral da vida, o amadurecer, o amanhecer, o caminhar. Traduzido no tic tac insofismável do relógio, nos faz dormir e acordar. Apesar de todos os pesares, a despeito de todas as alegrias, a certeza de um novo dia, é o que nos faz perseverar pela estrada da vida.
E assim, ponte entre o berço e o túmulo, entre o ontem e o amanhã, é somente ela, a espera, que nos acompanha diuturnamente, fiel, impreterivelmente até o final.

Por Cris Vaccarezza
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