Conforme a música

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Na dança de salão, o cavlheiro convida a dançar. Cabe à dama aceitar ou não. Se aceito o convite, não importa qual a melodia, os corpos ziguzaguearão unidos pelo salão e ela será obrigatóriamente, conduzida por ele até o final da música. Então, poderá optar por continuar dançando, ou sentar-se e aguardar até que o próximo cavalheiro a convide. Via de regra, cada convite é uma oportunidade de sair da cadeira, e mover-se.
Na vida também pe assim. Ela nos conduz, como um cavalheiro na dança de salão. Nela, somos todos damas. E o salão é o cenário da sua própria existência, o cavalheiro é por vezes gentil e cortez, e por vezes hostil e violento, e uma vez aceito o convite da existência, cabe à dama, simplemente dançar conforme a música.
Dançae entregue aos mil rodopios da vida, sem enausera, Eis o desafio. E de cabeça errguida, de preferência, sorrindo, para que suas dores do calo que aperta o dedinho, ou seus tropeços, antes àquele passo novo, difícil e inusitado, não descore a felicidade dos que estão em torno de nós no salão. Não importa se a vida deu-lhe uma bicuda na canela, ou pisou impiedosamente na sua unha encravada, vai doer, mas sorria!
Afinal é uma festa. A vida é uma festa. E numa festa, ninguém está nem aí para os seus problemas. Eles simplesmente estão ali, observando. Aparentemente entretidos nas conversas paralelas e na harmonia com que dançam e sorriem os que dançam. Aparentemente felizes. Mas vão te criticar se tiverem que parar seu entretenimento para vê-la cair de cara no chão. Vão te criticar, impiedosamente e muitos rirão de você. Sem se incomodar se a vida, esse cavalheiro por vezes nada sutil, teve o cuidado de tratá-la bem ou não. Rirão pois sabem que todos ririam se estivessem em seu lugar, então impiedosos, antecipam o escárnio alheio.
Então trate de sorrir e valsar ou fox-trotear pelo salão. Seja um Bolero ou uma Rumba, trate de dançar! Mesmo que a orquestra esteja tocando o mais triste dos tangos de Gardel. Mesmo que a vida te convide a dançar a marcha fúnebre, comporte-se como se estivesse ouvindo uma salsa. E de preferência, para não correr o risco de desagradar, dance mambo, sem descer do salto ou esquecer o sorriso! Você até tem direito de chorar escondido. Mas de borrar a maquiagem? Jamais!

Academia de letras

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Certas horas em que tinha ganas de sair correndo até que gastasse as últimas calorias da gordice de mais cedo. Mas a vontade evaporava no ar, feito éter. Pensava em ir para a academia e ficar com o corpo da moda. Mas nem eram as dores do dia seguinte, nem o repetir incansável dos movimentos rotineiros. Era a certeza de que tem que ser todo dia. Todo dia, se não não dá certo. E as horas perdidas, loge de minhas reflexões? E as pulsões incontidas, que fazer com elas? E as ideias que brotam por livre vontade, toda vez que uma emoção transborda a linha do horizonte? Que fazer com elas no vai e vem dos pesos da academia?
Que fazer com a certeza do se não não dá certo. Com a vontade de deleitar-se na rede, com um capucino e um bom livro? Que fazer com o prazer do ócio criativo? Não era possível! Não nascera para musa, era por certo algum tipo de arquétipo caído do olimpo por mera decadência. Algum tipo de vênus às avessas, com seus peitos caídos e sua barriga flácida que caía sobre o cós da bermuda. A mesma bermuda que lhe deixava os movimentos livres para cuidar do que precisava cuidado, mas não lhe favorecia em nada a silhueta. Pelo contrário. Roubava-lhe impiedosamente a já castigada beleza de mortal arquetípica caída do olimpo por pura incompetência. Incompetência de ser bela! Ah, que unânime desafio, que terrível ferida narcísica para todas as mulheres. O sonho do ideal inatingível, a depressão frente ao espelho cruel e à dura realidade. Não era linda! Não era e não seria jamais! Gostasse dela quem quisesse, vendo-a assim em borralhos, com a cara pintada pelas manchas da idade, com os cabelos brancos pela rapidez do crescimento e repletos de pontas duplas pela raridade do cuidado.
Afinal foi por isso que desertara desse inatingível ideal de beleza. Desertara desde cedo. As belas tinham os brilhos labiais de moranguinho, tinham direito a depilar as pernas e sobrancelhas, ela, nada além das axilas. Era impossível, com as ferramentas que tinha à disposição e com sua pequena habilidade para o auto cuidado, concorrer à altura com as meninas belas de sua idade, que tinham o bônus dos salões de beleza como aliado dos cabelos lisos e sedosos. A ela restavam os bobs. Dormir de bob era um martírio. Mas valia o sacrifício para chegar menos amarfalhada à escola na segunda feira. Segunda feira ao menos, seria bonita. Ao menos menos feia. Ao menos na segunda feira! Mas parece que Deus frustrava seus desejos, e ao atravessar o enorme portão que protegia a casa da rua, eis que um vento, um sereno, uma gota d'agua qualquer, desfazia em instantes os cachos que a noite se encarregara de tecer, e o encanto se quebrava. Era de novo a lagarta, a vespa, a feia. O exato oposto da sereia que gostaria de ser. E pra completar seu tédio, justo naquele momento de aflição, o menino mais bonito resolveu olhar para ela. Olhou e sorriu. Mas não era para ela que sorria, era dela, isso sim. Isso era assim todo dia. E todo dia não dava certo. Passou a temer todo dia. e odiava rotinas.
Era por isso que certas horas, tinha ganas de sair correndo até que gastasse a última caloria da gordice de mais cedo, talvez essa fosse uma excelente terapia para seu ego. Mas sentava-se em frente ao computador e o tempo passava. Começava a ler e escrever e o sol corria de leste a Oeste no horizonte. E ela deixava apara a manhã seguinte.

Reforma política? Reforma tributária? Reforma íntima!!

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No que você está pensando? Instigava a página em branco do status da rede social. E o cursor piscando, meio que ansiava por uma resposta. Mas o que escrever diante da pátria desunida, diante de uma cada vez mais clara rachadura social? 
Absurdos digitados em caixa alta nos status por toda a rede. Ofensas, gritos de ordem, verdes distorcidas e conflitantes. Todos contra tudo e contra todos. Revolta geral. 
Estavam todos revoltados, ela inclusive. Agressivos, trocavam farpas e acusações entre si, como se fosse sua a culpa. Já tinha lido muitas ofensas de amigo contra amigo motivadas por essa sensação de "não dá mais!" Como julgar A ou B, se também fazia parte do coro dos descontentes? 
O que você está pensando? Atiçava a página. 
O que estava pensando era forte demais para ser dito assim, sem filtro. Era preciso buscar as palavras certas (ou as menos equivocadas) para tentar não melindrar ninguém e provocar um abalo ainda maior.
Diante da tela da tv, colorida cada vez mais por uma onda verde e amarelo, e da repercussão de alguns comentários posteriores a ela, não podia, não conseguia permanecer calada. 
Havia um descontentamento crescente em todos os cantos do país. Da casa mais humilde, cujas bolsas foram cortadas, foram cerceados os direitos trabalhistas garantidos em campanha, ou cujo benefício da luz elétrica ou da cinquentinha recém adquiridos passou a ter um custo tão maior que inviabilizava o uso do bem; até as varandas gourmets da zelites como diziam alguns, dos paneleiros profissionais que trabalham honestamente de segunda a sábado, geram emprego, pagam impostos, que não corrompem nem furtam e passaram a ser hostilizados por isso. 
De norte a sul do país, crescia o coro dos descontentes, era quase que uníssono o clamor por mudanças. Todos queriam mudar a situação, outros queriam mudar o governo, uns poucos equivocados, aceitavam até mudar o regime de governo, tamanho o desespero que o arrocho dos cintos promovia. 
O único senso comum, era de que precisava haver alguma mudança. O governo dizia que a mudança viria com os pacotes, a militância, que a mudança já estava aí, não conseguem ver? A zelites queriam menos impostos, mais oportunidades, menos corrupção, mais crescimento. Enquanto as gestantes, gemendo com as dores de um parto iminente na porta da maternidade lotada, queriam apenas mudança de status para mães. E as mães dos jovens assassinados pela violência, pelas drogas e suas conseqüências, queriam uma mudança na segurança, na justiça, queriam que seu filho morto mudasse... E o filho, com o corpo do pai nos braços, só queria que tivesse remédio no posto para salvar a vida do pai. Quem dera tivesse estudado um pouco mais... Sim, precisamos de mudanças.
A despeito da realidade clara, do sentimento maior de desamparo, de desgoverno. A despeito de o povo brasileiro, seja ele da zelite ou das bolsas, desenharem seu descontentamento pelas ruas em verde e amarelo, e de se darem as mãos sem bandeira de partido, sem máscaras, sem violência, munidos apenas das cores do seu país e de um sentimento de revolta, algumas pessoas seguem na contra mão, fomentando a discórdia em uma onda separatista que não reflete a realidade. Agora são brancos contra negros, agora são ricos contra pobres, agora são coxinhas contra enroladinhos, são esquerdistas contra direitistas, MAV contra revoltados, bolivarianos contra alienados, psdbistas contra petistas, azuis contra vermelhos, sulistas contra nordestinos... Num rotular sem medida que me lembra Maquiavel em sua filosofia de "dividir para dominar". Não somos rótulos!
Não! Somos uma nação. 
É um povo inteiro, que não aguenta mais permanecer calado. E de lado a lado reivindica seu direito a defender suas ideias, pacificamente. É um direito garantido pela democracia! Graças a Deus! Mas esse discurso batido já não nos convence mais. Precisamos de ação. A revolta chega a níveis elevados. Pessoas não dialogam mais, gritam suas verdades na cara umas das outras. "Eu penso assim, se você não concorda, é meu inimigo!" Faz parte do "outro lado". Precisa ser combatido. Não! Somos todos brasileiros, somos todos irmãos! Mais que isso, somos nós todos que pagamos a conta pesada dos impostos que vão desaparecer no buraco negro das cuecas alheias, sejam elas azuis ou vermelhas. Não é contra a ideologia do outro que temos que combater o bom combate. Não é contra a diferença de cor, de credo, de religião, ideologia ou classe social. Não, senhores ministros, deputados! Não, senhora presidentA! Não precisamos de reforma tributária que não reduz em nada a injustiça social, não precisamos de reforma política que não desfaça a ideia de que política é uma carreira curta e muito promissora; não precisamos de uma reforma educacional que não valorize os seres humanos nela envolvidos, e transforme crianças em números positivos para aumentar os índices estéreis de crescimento do país. Não precisamos de uma reforma da saúde que importe médicos de países vizinhos a preço de banana para prescrever medicação errada e solicitar exame que não existe. Nem de uma reforma agrária feita por vândalos que invadem um campo de pesquisa e devastam o que não lhes pertence. Não precisamos reformar mais nada além das nossas próprias consciências! 
Façamos uma avaliação apartidária, uma avaliação sincera do nosso próprio modo de agir. Cada um de nós, elites, minorias étnicas, maiorias políticas, autoridades, magistrados, legisladores, legislados, população, menos favorecidos, intelectuais, MAV, Mst, brasileiros, todos! Chega, né?
Não precisamos de mais blá, blá, bla! Nem de mais mimimi, não precisamos de pacote nada, de emenda coisa nenhuma, de reforma isso ou aquilo! Tudo o que precisamos é reforma íntima! 
Se o Brasil começou errado lá pelos degredados, golpistas e vulgívagas egressos de Portugal, se a corrupção está no sangue, se essa é a dura realidade, cabe a nós mudar. Mostrar que nem todo brasileiro é corrupto ou corruptível. Extinguir o jeitinho brasileiro. A começar por nós mesmos. 
Estamos com o foco errado. Não se trata mais do que o Brasil pode fazer por mim. Trata-se do que eu posso fazer pelo Brasil. Não os governantes, não os políticos, não o congresso. Esses já fazem por si. É o que cada um de nós pode fazer pelo próximo, e o próximo é o nosso país.
Não é hora de dividir, é hora de somar. Não é hora de agredir, é hora de abraçar. Somos diferentes, e daí? É um país de proporções continentais, mas somos um país! Sejamos honestos, gentis, generosos! Somos nação, somos gente! Vamos nos comportar melhor! Vamos fazer a nossa parte. 
Quem sabe de vergonha, convencemos alguém a mudar, quem sabe um dia a mudança chega às altas esferas, já que de lá pra cá não têm chegado muita coisa boa.
Façamos um pacto pela decência! Façamos um pacote de união. Façamos a nossa parte. Só é sonho se sonharmos sós. Só é utopia, se ninguém tentar!
Vamos! Mas vamos todos juntos. Sim, é nisso que estava pensando!
Por Cris Vaccarezza

Juramento de quem mesmo?

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Eu fico indignada com a situação da saúde nesse país. Procura-se uma vaga para atendimento, só no início do mês para marcar, entra-se em contato no primeiro dia do mês, só no dia 30. Não, eu não estou falando da fila do SUS (direito de todos, dever do Estado), estou falando do atendimento por convênio, que se oferece como um dos melhores, que credencia médicos e outros profissionais de saúde e os oferece como troféus em seus Guias médicos, e saem por aí, a captar milhões de associados que pagam para sair da inexorável e infindável fila do SUS. Fazem isso, em geral, com a promessa de atendimento de qualidade, vasta rede credenciada, a preços razoáveis. Bem, razoável é uma definição ampla. Mas pela saúde fazemos tudo não é? 
Então assinamos contrato, cumprimos carência, e quando vamos exigir o nosso direito, evasivas. Só há evasivas! Volte outro dia, marque na próxima semana, já tentou o médico tal? Isso, quando o tal médico que está registrado no convênio como especialista naquela área, efetivamente atende ao paciente. A primeira pergunta das atendentes é: Paciente novo? Não estamos mais atendendo a pacientes novos, ou não estamos mais atendendo para consulta. Apenas para cirurgia! Onde já se viu, cirurgia sem consulta prévia? No Brasil! No Brasil, de tudo há! Quando o médico efetivamente atende pelo convênio, vaga só para o meio do mês que vem! Mas tem que marcar, e conseguir marcar, bem, aí só no início do mês seguinte! Nada feito, não há vagas!!
Que país é esse? Eu me pergunto! Eu, que não participei de licitação fraudulenta, que não faço parte do "Petrolão", que não enfiei a mão no bolso de ninguém, e vivo do que produzo, que trabalho e cumpro horários e que quando atendo alguém, busco ter em mente que à minha frente, está um ser humano que sofre e necessita de atendimento, e não um punhado de dinheiro!! Eu me pergunto, até quando???
"Ora bolas, meu caro paciente, seu convênio paga pouco", disse o doutor! Concordo! Então não aceite ter o seu nome citado entre o rol dos que atendem, se você efetivamente não atende pela droga do convênio! Isso obrigaria a uma revisão na tabela, o credenciamento de novos profissionais que queiram ou precisem atender. Sim! Por que nesse país, tudo é muito mais na base da necessidade, do que da vontade. Faço porque preciso, e não porque quero ou porque gosto.
Já a sumidade do convênio, deveria ter a honestidade de não fazer propaganda enganosa, postergando indefinidamente a necessidade alheia, em busca de uma vaga fictícia. Iludindo com promessas de atendimento por médicos que efetivamente jamais atenderão ao usuário do convênio. A menos que este tenha a sorte ou a clarividência de adivinhar o dia coreto de marcação da consulta, ou vença uma verdadeira maratona para ser um dos primeiros a marcar. Desculpem, meus caros, não tenho o dom da clarividência, ou já teria previsto os números da Mega-Sena e ido morar em outro país que se respeite. Bem como não sou atleta, ou seria ao menos respeitada por meu talento. Sou uma brasileira. Mais um cidadão comum, que trabalha e paga impostos e que não quer ter nenhum direito a mais, além dos garantidos a qualquer outro brasileiro que pague as suas obrigações em dias, no caso, o boleto do convênio!
Mas há uma lógica perversa por trás desse processo, o objetivo subliminar de tudo isso, é que você se canse de mendigar os seus direitos, e faça a famosa pergunta à atendente: Minha filha, pra quando é que você tem vaga particular? Só um momento, senhora! Hum deixe ver, particular temos para amanhã, senhora!! Quanto é a consulta? Pode marcar! Vou fazer esse sacrifício em nome da saúde! Bom para o doutor, que diz que atende pelo convênio, mas nunca disponibiliza vaga ao usuário; bom para o convênio que não tem que pagar pelo atendimento, e ganha sem ter que gastar, e por aí vai... 
E é disso que o sistema do egoísmo se alimenta, da necessidade, do desespero, da urgência alheias. O objetivo é um só, ganhar, ganhar, ganhar... Que importa se o bebê sente dor? Que importa se a mulher vai parir na porta do hospital? Que importa se o idoso vai morrer na maca da ambulância sem os primeiros socorros? Que me importa? Importa o meu lucro! É por isso que trabalho. É só por isso! Porque não é a saúde da sua mãe!! Por que não é a saúde do seu filho!! Só por isso! 
Nada contra quem trabalha e ganha honestamente, mas tudo contra parecer o que não se é! Não atende? Não aceite novos associados. Só atende particular? Ótimo! Acho até um status: Dr. Fulano só atende particular! Parabéns! Estudou, se esforçou, é competente, mérito seu!! Mas deixe isso claro, inclusive para o convênio! Tire o seu nome da lista! Não faça o usuário de idiota!!
Digo e repito que certas coisas deveriam ser a base de outras tantas. Deveriam, mas não são. Em se tratando da medicina, essa ciência tão nobre, creio que a leitura do juramento de Hipócrates, deveria ser aplicada desde as cadeiras de Anatomia e Fisiologia, e não decorada às pressas, apenas pelo orador da turma na véspera da formatura. Medicina de grupo deveria ser exercida com responsabilidade. Medicina é sacerdócio! Medicina é ter e prover saúde ao corpo e paz para o espírito. 
Paz de espírito, pra que? Juramento de Hipócrates? Talvez devesse passar a ser chamado de Juramento de Hipócritas. Sem dinheiro, nada feito, sem convênio nada feito! Ih! Pior, com convênio também, nada feito! Filho? Pai? Mãe?! Adiem suas dores para o mês que vem! Atendimento que é bom, nada feito!! Indignada!!
Por Cris Vaccarezza
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