No que você está pensando? Instigava a página em branco do status da rede social. E o cursor piscando, meio que ansiava por uma resposta. Mas o que escrever diante da pátria desunida, diante de uma cada vez mais clara rachadura social?
Absurdos digitados em caixa alta nos status por toda a rede. Ofensas, gritos de ordem, verdes distorcidas e conflitantes. Todos contra tudo e contra todos. Revolta geral.
Estavam todos revoltados, ela inclusive. Agressivos, trocavam farpas e acusações entre si, como se fosse sua a culpa. Já tinha lido muitas ofensas de amigo contra amigo motivadas por essa sensação de "não dá mais!" Como julgar A ou B, se também fazia parte do coro dos descontentes?
O que você está pensando? Atiçava a página.
O que estava pensando era forte demais para ser dito assim, sem filtro. Era preciso buscar as palavras certas (ou as menos equivocadas) para tentar não melindrar ninguém e provocar um abalo ainda maior.
Diante da tela da tv, colorida cada vez mais por uma onda verde e amarelo, e da repercussão de alguns comentários posteriores a ela, não podia, não conseguia permanecer calada.
Havia um descontentamento crescente em todos os cantos do país. Da casa mais humilde, cujas bolsas foram cortadas, foram cerceados os direitos trabalhistas garantidos em campanha, ou cujo benefício da luz elétrica ou da cinquentinha recém adquiridos passou a ter um custo tão maior que inviabilizava o uso do bem; até as varandas gourmets da zelites como diziam alguns, dos paneleiros profissionais que trabalham honestamente de segunda a sábado, geram emprego, pagam impostos, que não corrompem nem furtam e passaram a ser hostilizados por isso.
De norte a sul do país, crescia o coro dos descontentes, era quase que uníssono o clamor por mudanças. Todos queriam mudar a situação, outros queriam mudar o governo, uns poucos equivocados, aceitavam até mudar o regime de governo, tamanho o desespero que o arrocho dos cintos promovia.
O único senso comum, era de que precisava haver alguma mudança. O governo dizia que a mudança viria com os pacotes, a militância, que a mudança já estava aí, não conseguem ver? A zelites queriam menos impostos, mais oportunidades, menos corrupção, mais crescimento. Enquanto as gestantes, gemendo com as dores de um parto iminente na porta da maternidade lotada, queriam apenas mudança de status para mães. E as mães dos jovens assassinados pela violência, pelas drogas e suas conseqüências, queriam uma mudança na segurança, na justiça, queriam que seu filho morto mudasse... E o filho, com o corpo do pai nos braços, só queria que tivesse remédio no posto para salvar a vida do pai. Quem dera tivesse estudado um pouco mais... Sim, precisamos de mudanças.
A despeito da realidade clara, do sentimento maior de desamparo, de desgoverno. A despeito de o povo brasileiro, seja ele da zelite ou das bolsas, desenharem seu descontentamento pelas ruas em verde e amarelo, e de se darem as mãos sem bandeira de partido, sem máscaras, sem violência, munidos apenas das cores do seu país e de um sentimento de revolta, algumas pessoas seguem na contra mão, fomentando a discórdia em uma onda separatista que não reflete a realidade. Agora são brancos contra negros, agora são ricos contra pobres, agora são coxinhas contra enroladinhos, são esquerdistas contra direitistas, MAV contra revoltados, bolivarianos contra alienados, psdbistas contra petistas, azuis contra vermelhos, sulistas contra nordestinos... Num rotular sem medida que me lembra Maquiavel em sua filosofia de "dividir para dominar". Não somos rótulos!
Não! Somos uma nação.
É um povo inteiro, que não aguenta mais permanecer calado. E de lado a lado reivindica seu direito a defender suas ideias, pacificamente. É um direito garantido pela democracia! Graças a Deus! Mas esse discurso batido já não nos convence mais. Precisamos de ação. A revolta chega a níveis elevados. Pessoas não dialogam mais, gritam suas verdades na cara umas das outras. "Eu penso assim, se você não concorda, é meu inimigo!" Faz parte do "outro lado". Precisa ser combatido. Não! Somos todos brasileiros, somos todos irmãos! Mais que isso, somos nós todos que pagamos a conta pesada dos impostos que vão desaparecer no buraco negro das cuecas alheias, sejam elas azuis ou vermelhas. Não é contra a ideologia do outro que temos que combater o bom combate. Não é contra a diferença de cor, de credo, de religião, ideologia ou classe social. Não, senhores ministros, deputados! Não, senhora presidentA! Não precisamos de reforma tributária que não reduz em nada a injustiça social, não precisamos de reforma política que não desfaça a ideia de que política é uma carreira curta e muito promissora; não precisamos de uma reforma educacional que não valorize os seres humanos nela envolvidos, e transforme crianças em números positivos para aumentar os índices estéreis de crescimento do país. Não precisamos de uma reforma da saúde que importe médicos de países vizinhos a preço de banana para prescrever medicação errada e solicitar exame que não existe. Nem de uma reforma agrária feita por vândalos que invadem um campo de pesquisa e devastam o que não lhes pertence. Não precisamos reformar mais nada além das nossas próprias consciências!
Façamos uma avaliação apartidária, uma avaliação sincera do nosso próprio modo de agir. Cada um de nós, elites, minorias étnicas, maiorias políticas, autoridades, magistrados, legisladores, legislados, população, menos favorecidos, intelectuais, MAV, Mst, brasileiros, todos! Chega, né?
Não precisamos de mais blá, blá, bla! Nem de mais mimimi, não precisamos de pacote nada, de emenda coisa nenhuma, de reforma isso ou aquilo! Tudo o que precisamos é reforma íntima!
Se o Brasil começou errado lá pelos degredados, golpistas e vulgívagas egressos de Portugal, se a corrupção está no sangue, se essa é a dura realidade, cabe a nós mudar. Mostrar que nem todo brasileiro é corrupto ou corruptível. Extinguir o jeitinho brasileiro. A começar por nós mesmos.
Estamos com o foco errado. Não se trata mais do que o Brasil pode fazer por mim. Trata-se do que eu posso fazer pelo Brasil. Não os governantes, não os políticos, não o congresso. Esses já fazem por si. É o que cada um de nós pode fazer pelo próximo, e o próximo é o nosso país.
Não é hora de dividir, é hora de somar. Não é hora de agredir, é hora de abraçar. Somos diferentes, e daí? É um país de proporções continentais, mas somos um país! Sejamos honestos, gentis, generosos! Somos nação, somos gente! Vamos nos comportar melhor! Vamos fazer a nossa parte.
Quem sabe de vergonha, convencemos alguém a mudar, quem sabe um dia a mudança chega às altas esferas, já que de lá pra cá não têm chegado muita coisa boa.
Façamos um pacto pela decência! Façamos um pacote de união. Façamos a nossa parte. Só é sonho se sonharmos sós. Só é utopia, se ninguém tentar!
Vamos! Mas vamos todos juntos. Sim, é nisso que estava pensando!
Por Cris Vaccarezza