Nàufrago

Era alta madrugada, lutava há horas pela vida em seu pequeno barco à deriva no meio de um oceano agitado, numa tempestade que sacudia de um lado para o outro até as suas melhores convicções. Estava só, desde que o navio de certezas onde imaginava estar seguro, e que pretensamente levaria de norte a sul em segurança como fora planejado, simplesmente naufragara numa noite similar, dias atrás. E naquele cenário horrendo, sem água para dessedentar, sem alimento para o corpo ou a alma, com o coração ansioso e aflito, sentia-se chacoalhar impotente, ante a violência furiosa das ondas.
Não havia esperança. Estava no meio do nada. Tudo em torno era um imenso vazio. Nada via além de breu, as tempestades da vida, encobriram-lhe até mesmo o parco brilho das estrelas. Nem sol, nem lua cheia, nem esperança, nem nada. Agarrava-se desesperadamente a algumas latas d'agua que sobraram do desastre, e a um ultimo fio de fé e esperança.
Foi quando uma onda veio, bruscamente de maneira inesperada e golpeando-lhe por trás, fez perder o equilíbrio e bater o rosto contra a parede lateral do barco. Ainda em meio à desorientação, percebeu que a mochila que continha as derradeiras latas d'agua escapara-lhe das mãos. Guerreando contra a dor da pancada, tateou o interior do barquinho com as mãos amarrotadas, buscou naquela escuridão a alça de lona que poderia salvar-lha a vida. Já não lhe importava a dor, mas a necessidade de recuperar a água. Viu de relance, ao espremer os olhos, o que lhe pareceu um pedaço da mochila próximo à proa do barco, e esgueirou-se para alcançá-la, como se disso dependesse a própria vida. Lançou o corpo alquebrado num esforço hercúleo e com a ponta dos dedos apreendeu o tecido ensopado e escorregadio. Reuniu as últimas forças, e agarrou a mochila, trazendo-a a todo custo de encontro ao próprio peito, e acalentou-a, qual coisa preciosa e querida.
Mas as ondas incessantes não permitiam que mantivesse em equilíbrio, o corpo alquebrado e foi mais uma vez lançado junto com a mochila parcialmente para fora do barco. o objeto querido escapou-lhe dos braços, caindo no mar agitado, conseguiu manter firme uma ponta, e tentava recupera-la, pondo em risco a própria vida. A mochila ensopada, se tornava cada vez mais pesada pelas latas de aguas sugadas pelo mar. Feito uma âncora, pesava, puxava, ameaçava afundar. "Meu Deus, não posso mais, me ajuda!"
Desesperava, quase desistia, quando uma luz mais à frente chamou sua atenção. Em meio à chuva intensa, viu o que lhe pareceu o rosto de um ancião à luz tremula de um lampião. Um rosto preocupado e só isso! Não via nada além daquele rosto em meio à escuridão. Pareceu-lhe num relance um rosto amigo. Mas não tinha tempo para entender o que se passava. O que fazia um velho tão serenamente naquela situação? Que importava? Precisava recuperar a mochila e estendia os braços para mantê-la ao alcance.
Foi quando ouviu:
- Deixe ir! Solte-a!
Como? Era um louco! Estava louco! Soltar a única coisa que lhe valeria a redenção, o único bem que tinha, a vida que lhe sobrava no mar revolto? Jamais faria isso!
- Agarre-se ao barco! Não se afogue! Deixe-a ir!!
A mochila escapava, pesava, ameaçava carregar com sigo o naufrago, mas ele se esgueirava mais e mais em direção à proa, tentando detê-la. Que louco! Era alucinação de sua cabeça! Que faria um velho em meio àquela tempestade? E se fosse um velho de verdade, por que não tentaria ajudar? Ficava de lá, a grita impropérios, a dar sugestões inaceitáveis. E lutava até não mais suportar.
Houve um instante em que as ondas se agitaram a tal ponto, enchendo o barquinho de água, que ele teve que fazer a opção entre agarra-se ao barco ou à mochila.
- É esse o momento da decisão! Largue a mochila! Fique no barco!
Não havia outra escolha, a mochila escapava-lhe, resignou-se ao destino de morrer de sede ante ao sol inclemente que não tardaria a chegar. Deixou ir a mochila. Em prantos, deslizou o corpo para dentro do barco e exausto, decidiu entregar-se à própria falta de sorte. Esqueceu-se da tempestade, do velho do mar, das ondas, e desfaleceu, vencido pela exaustão, que fosse o que tivesse de ser!
Quando despertou, percebeu-se aportado numa praia, o barco fora arrastado até ficar seguro na areia, e ao seu lado, havia um bilhete:
- Arrastei seu barco até a areia, mas sou velho e não pude carregá-lo até em casa. Moro no farol abandonado à direita. Quando acordar, venha tomar um café. Que bom que largou a mochila. Se caísse do barco, teria perdido a vida, por não perceber que é bem perto da praia que as ondas mais se agitam e formam o quebra mar. No escuro da noite em meio à tempestade, ninguém vê. Ainda assim às vezes, tudo o que precisamos é deixar ir, e a vida se encarrega de nos conduzir a um destino melhor.
Limitou-se a sorrir e agradecer. Era mesmo um sábio conselho!
Por Cris Vaccarezza


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