Ninho

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Era uma tarde de quinta, (e uma angústia de primeira, parecia lhe sufocar a alma) meio daquela semana em que a sexta feira é sonho de consumo. Meio de uma semana onde a sexta feira é momento de parar, há semanas, mas ninguém para! 
Embora fosse inverno, quis sentar-se lá na sebe, sob o pergolado, sob a florida trepadeira.
Pôs a velha chaleira no fogo, dispôs o pó de café, do jeito amarfanhado que sabia fazer café, pegou uma xícara, o velho computador e rumou para a varanda.
Como envelhecera nesses longos anos longe... a criança que sempre habitara seu coração, emudecera nesses anos, e agora a contemplava meio desconfiada, a certa distância. Lembrou do dia em que decidiu romper com essa criança, parar de sonhar e "levar a vida a sério". 
Como envelhecera... seus olhos cansaram de não querer ver toda aquela beleza que sempre existiu ali, do lado de fora. Toda aquela beleza que acenava para ela ao sabor do vento todos os dias na varanda querida de sempre... mas ela teimou em não ver.
Sentou-se atras da xícara, e observou a fumaça dançando, libertar-se do líquido negro contido na xícara de café ... em silêncio, apenas observou em volta. Shhhhhhhhiiiiiii ... Silêncio! Sem toque de telefone, sem "terra chamando!!", sem "tem que ser agora!!" 
Não, droga! Não tem que ser agora!! 
Isso sim, tem que ser agora! Sentir, respirar!!! Ouvir a natureza cantar seus hinos de paz! Existir tem que ser agora!!!
Olhou em volta e finalmente pode ver. Após o longo silêncio desses anos em que a vida se resumira a tatear mecanicamente os corredores, de uma sala para outra, de um escritório para outro, de um dilema para outro, de um problema para outro... Agora finalmente pode sentir. Abriu amorosamente o velho notebook. 
Seus dedos outra vez encontravam o teclado, não como um tamborilar numérico, mas como um acariciar palavras...
Timidamente ... e deixou-se sentir a aura daquele lugar outra vez.
Primeiro uma ideia na mente, 
Vaga... poética
Alguma coisa dita metaforicamente...
Depois a memória do mecaniciscmo, uma mensagem que chega pro Whatsaapp, silêncio!! Deu- se ao luxo de mais alguns instantes. Apenas alguns minutos teimosamente negados aos afazeres rotineiros, prazerosamente dedicados à velha tela fria. 
Dedos vacilando entre tantas letras...
Na desordem cartográfica do cotidiano, desaprenderam a subjetivar, a ser poesia
Sentia-se assim, como alguém se despe pela primeira vez frente a uma  pessoa nova, de novo, e se sente desnuda como na primeira vez.
Assim se sentia, tímida, diante do amigo de tantas noites.
O velho notebook, tão acostumado a ser caderno de poesias, virara um fardo profissional, virara realmente apenas um bloco de notas, compromissos e rotinas.
Os pássaros que fervilhavam sua alma, estiveram engaiolados, como na infância.
As borboletas de seu estômago, estiveram anestesiadas pela futilidade do cotidiano.
Há algum tempo, tivera que abandonar o jardim, e só agora a alma voltava ao velho jardim.
Os dedos foram se tornando mais rápidos, as palavras emudecidas pelo "preciso ser mais objetiva" foram saltando aos poucos sozinhas para o papel virtual daquela tela branca, e as lágrimas, caladas e contidas sabe-se lá por que, talvez de saudade, finalmente brotaram, regando o velho jardim.
E ela se sentiu rio, cheio, transbordando, fecundando às margens de sua alma, outra vez.
Sentiu o cheiro das flores, e o canto da rolinha "fogo-pagô", um casal de pequenos pássaros bicudos que fazia morada ali. Notou o zumbir do besouro, e as asas velozes do beija Flor, já cansado da jornada do dia.
Até a velha borboleta monarca retornou, com seu voo gracioso por sobre o jasmim:
Enfim, já eram quase 6 da tarde, os pássaros voavam desaparecendo nos galhos das palmeiras, anoitecia, e ela pode enfim, voltar ao seu ninho outra vez.
(Por Cris Vaccarezza)

A vida

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Morria

Morria de medo

Morria de medo da vida

Morria de medo da vida que deixava

Morria de medo da vida que deixava de viver...

Todos os dias...

Morria

Morria de medo

Morria de medo da morte

Mas também morria de medo da sorte

 Mas também morria de medo da sorte de ter e ter que deixar

Morria 

Morria de medo da ventura 

Mas também temia a desventura de ter que aventurar-se 

Temia a vida e a morte

Temia a reves e a sorte, 

Temia ter e perder

Temia a mudança...

Mas como amava a dança,

Mesmo temendo se punha a dançar

Mesmo temendo se punha a dançar a ciranda da vida

Morrendo de medo de ter e perder...

A vida 

(Por Cris Vaccarezza)


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